Diário do Alentejo

Comentadores de segunda
Opinião

Comentadores de segunda

Rodrigo Ramos, professor

23 de fevereiro 2024 - 18:00

Na passada segunda-feira, deu-se a seguinte ocorrência: ruidosas forças policiais declararam tréguas à perseguição de transgressores da lei e da ordem pública e atiraram-se ao protesto reivindicativo, primeiro no Terreiro do Paço, e logo depois Avenida da Liberdade acima, até desaguarem junto do Capitólio, com assobios, gritos e cartazes inflamados. Acusam o governo de dividir a força policial em castas, pondo na mais alta a Judiciária e atirando com as restantes para a fome. De então para cá, muitas promessas se têm feito, muitas declarações de honra têm atravessado todo o arco parlamentar, embora nenhuma ainda tenha conseguido silenciar o protesto. Os polícias, briosos, fiéis, dignos, preferem o pão à retórica.

 

Precisamente dentro do Capitólio, o futuro primeiro-ministro preparava-se para esgrimir argumentos com o maior líder da oposição. Como pergunta inaugural de um debate que prometia, perguntou-se aos candidatos como entendiam a manifestação das forças policiais. Aqui está como, numa primeira pergunta, se jogou todo o debate. Luís Montenegro, de face contrita, voz sibilante, chapéu na mão a esmolar votos, declarou que, enfim, entendia, visto que o governo, o António Costa, isto e aquilo, titubeou, filosofou um tanto, e não foi capaz de produzir um pensamento que o salvasse; já Pedro Nuno Santos arreganhou os dentes e fez o único comentário concebível: em democracia, não se admite tal assalto ao debate eleitoral e ninguém negoceia sob coacção. Vitória! Todos os comentadores políticos saltaram das cadeiras em júbilo, cantaram-se loas, limparam-se lágrimas de júbilo, bateram-se palmas, as câmaras de televisão tremeram. Acto contínuo, ali mesmo os comentadores se propuseram a vergastar Montenegro.

 

O director de informação do grupo IMPRESA, que detém a SIC e o Expresso, Ricardo Costa, entusiasmou-se de tal modo que, mal o debate se deu por concluído, determinou, com ares expansivos: “No primeiro minuto, Luís Montenegro perdeu o debate completamente” e, muito professoral, acrescentou: “qualquer que fosse a sua nota, mesmo que ele tivesse feito um debate espectacular – que não fez, – eu daria sempre mais um a Pedro Nuno Santos”. Bravo! Entende, portanto, o senhor director que, a partir daquele ponto inaugural, bastaria ao candidato Pedro Nuno Santos cruzar os braços, sorrir para o adversário com a altivez dos vencedores, quiçá abanar a cabeça com desdém e contar com os votos dos portugueses no bolso. A Montenegro, a partir daquela circunstância fatal, não se esperaria mais do que uma palavra de contrição, após a qual arrumaria cabisbaixo os seus papéis e ala para casa. É que para o excelso director de informação, um rugido bem dado em resposta a uma manifestação inoportuna tem o préstimo de dispensar uma hora e meia de debate de ideias.

 

Paulo Baldaia, jornalista com ligações ao Expresso, acorreu a secundar o seu director, imagino que movido pela proverbial necessidade de fazer pela vida: “Pedro Nuno Santos voltou a ser aquilo que fora” (leia-se combativo, feliz proprietário de brados, roncos, de uma voz grave e sempre ofendida) “e isso é que lhe deu vantagem sobre Luís Montenegro”. A vocação para a sobranceria e para uma linguagem exaltada que fustiga o opositor sempre foi um bom pasto para alguns comentadores políticos, que a tomam por um exercício de credibilidade. Por outro lado, a educação, a urbanidade, a cortesia de Pedro Nuno Santos, enquanto supremas qualidades da inexistência, não careceram de avaliação. É um entendimento jornalístico notável, que só peca por ridículo.

 

Contrariamente ao esperado, nem Pedro Nuno Santos nem Luís Montenegro prescindiram da hora seguinte, mas o primeiro reduziu-a a um concurso de decibéis mal-educado e grosseiro, com apartes juvenis, tais como “hoje falhou…”, “hoje correu-lhe mal…”, “oh, pá!”, “qual quê?!” “o senhor não está preparado, eu é que estou preparado!” e o segundo apressou-se a acompanhá-lo neste registo de feira dominical. Compreende-se: quando o presente não se recomenda e o futuro não se antevê risonho, resta apenas resvalar para acusações pueris de inaptidão, mesmo se ironicamente provindas de um ex-ministro que se viu puxado com ignomínia pelo colarinho para a saída do governo, em 2022, escorraçado da governabilidade justamente por incompetência em pastas tão importantes como a habitação, as infra-estruturas e o uso Whatsapp como recurso administrativo.

 

Montenegro, com o debate irremediavelmente perdido no primeiro minuto (COSTA: 2024, SIC Notícias), parecia apenas aguardar que alguma alma caridosa desse a contenda por terminada e mandasse evacuar a sala. De facto, perante um arruaceiro agressivo, que arrasta um manto de incompetência, pedia-se um peito feito e um dedo indicador em riste, enfim, um candidato mais peremptório, mais vertical! A Montenegro faltou argúcia, empenho, determinação para enterrar Nuno Santos no seu pântano de atrocidades. Ainda assim, o que disse em matéria de habitação, de salários – esses dois algozes que mantêm os portugueses miseráveis – de saúde – cuja ideologia socialista ainda está a ser paga pelos portugueses com doenças e morte –, e acerca da fiscalidade – a canga que mantém a classe média portuguesa nos fundilhos da União Europeia –, foi o quanto bastou para se superiorizar. Este quase nada, num debate convencional, teria sido o suficiente para destroçar o seu opositor…  Que diabo! Se ao menos tivesse principiado por censurar o protesto policial…

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