Diário do Alentejo

Máquina do tempo
Opinião

Máquina do tempo

Vítor Encarnação

24 de fevereiro 2024 - 21:00

Tenho uma máquina do tempo no meu quintal. É uma espreguiçadeira. Quando a comprei, a cadeira reclinável servia apenas para descansar um bocadinho depois do almoço ou ao fim da tarde. Não fazia a mínima ideia que ela me dava a suprema vantagem de poder viajar no tempo e no espaço. O processo não é nada complicado, basta encostar-me bem, começar a respirar pausadamente e fechar os olhos. Mais ou menos cinco minutos depois, apenas o meu corpo está ali no quintal. O resto de mim, alma, pensamento, saudade, inquietação, vai comigo. Ainda só consigo ir ao passado ou a um sítio diferente no presente, ainda não aprendi a ir ao futuro, nem sei se me interessa muito conhecer o que está para vir, o futuro é uma coisa que mete respeito. Mas voltar atrás no tempo ou estar onde não estou é fácil. Agarro-me aos braços da cadeira e a cadeira abana um bocadinho, os pássaros fogem, os cães ladram, o Sol treme por instantes, alguma coisa de sobrenatural teria de haver nisto tudo, pois claro. Penso onde quero ir e vou. Há dias que me apetece apenas sobrevoar o passado, pairar sobre o que fui, ver-me pequenino e feliz, a minha mãe a chamar-me para jantar. Noutros dias, quero mudar o que aconteceu, interferir no rumo da vida, reverter decisões, escolher outros caminhos. Nos dias das viagens mais inquietas, a espreguiçadeira estremece, quase se parte. Ultimamente tenho feito viagens mais curtas, mais ponderadas, menos emocionais. Ir muitas vezes ao passado torna-se aborrecido e cansativo. Agora, na maior parte dos dias, ao fechar os olhos adormeço logo.

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