Diário do Alentejo

Carnaval
Opinião

Carnaval

Vítor Encarnação

17 de fevereiro 2024 - 21:00

Há razões para eu não gostar do carnaval. A primeira é antiga, provém da altura da consciência do medo, eu que sempre gostei de ver a transparência dos rostos, de identificar as pessoas, ficava aterrorizado com os entrouxados que me perseguiam na rua, a sua ausência de voz a deixar-me incomodado, as máscaras que me fixavam em silêncio, as barbas, as verrugas, sabia-se lá quem estava dentro daquela roupa. Eu que nunca fui pássaro de gaiola, nesses dias quase não ia à rua, muito menos saía à noite. Já mais crescido, continuei a não gostar do entrudo, continuei a sentir-me inquieto, continuei a não perceber o gosto pelo disfarce, pelas caraças, pelas bombas de cheiro, pelos estalinhos. Depois, no enterro do entrudo, o boneco de palha a arder, as roupas escuras, homens a fazerem de velhas, os choros lancinantes, as velas na mão, tudo isso me perturbava. Uma vez, talvez para exorcizar os meus medos e a indiferença que os substituiu, fui com um primo assistir a um corso carnavalesco. Era tudo mais colorido e menos medonho do que o carnaval da minha infância, mas não retirei dali nada, não consegui bater palmas, muito menos dançar ou cantar. A minha relação com a felicidade não é muito fácil. Conheço-a bem, mas de outras dimensões, de dimensões mais solitárias, menos sociais, tenho até dificuldade em aceitar que exista um conceito de felicidade com data marcada e meses de preparação. Deve ser por causa desta forma de pensar que sou uma das criaturas infelizes deste mundo. É que, está provado, dizem os foliões, que a vida são dois dias e o carnaval são três.

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