Diário do Alentejo

Fuga
Opinião

Fuga

Vítor Encarnação, professor

21 de janeiro 2024 - 08:00

No dia em que escrevi este texto, o meu cão fugiu. Melhor, não fugiu, fui eu que irresponsavelmente o obriguei a perder-se.

O meu cão vive há catorze anos comigo e em mim, nunca nos separámos sem que eu tenha preparado essa separação.

O meu cão é preto e esguio, é de raça salsicha e por isso chama-se Izidoro.

O Izidoro segue-me os passos, gosta de me ter dentro dos olhos, come melhor perto de mim, dorme melhor ao meu lado. Amamo-nos numa dimensão absurda, não sabemos viver um sem o outro.

De tão perto que anda de mim, às vezes fica preso no quintal, eu fecho a porta e ele fica pacientemente à espera que eu o resgate.

Se demoro mais, chama por mim batendo com a pata na porta. O Izidoro pode ter as portas abertas que não foge, nunca fugiu, não saberia para onde ir, aqui tem tudo o que precisa, os meus passos, a minha mão, a minha presença. Algumas horas antes de escrever este texto, eu fui à rua e o meu cão foi atrás de mim.

Eu voltei para casa e fechei a porta. Depois passaram duas horas e o telefone tocou e uma vizinha disse-me que o Izidoro tinha fugido.

E eu descansado a pensar que ele estava a dormir enquanto eu trabalhava. Imaginei o Izidoro a esperar pacientemente por mim, a chamar por mim batendo com a pata na porta e eu a demorar-me e eu a não aparecer para o resgatar.

O que sentirão os cães quando se sentem abandonados? Não tenho vergonha de o dizer, entre lágrimas corri como se corre à procura de um filho, e enquanto corria tive medo de o ter perdido para sempre. Felizmente encontrei-o. Pedi-lhe perdão e ele aceitou.

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