Diário do Alentejo

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Vítor Encarnação

30 de novembro 2023 - 14:55

De um céu sem nuvens caem pingas de uma claridade mortiça, depois mais cinzenta, depois mais opaca, os olhos do firmamento perdem transparência, cataratas de sobretardes começam a tapar o cristalino da luz. Os pássaros fogem antes que a noite lhes cegue as asas. Do meu lado direito, o sol mergulha no éter e aproxima-se da terra, é hora de se aproximar da terra lavrada, das oliveiras, dos montados, do silêncio do pó, do princípio da lonjura, das ervas feitas de verde e de água, dos pássaros quase cegos das asas. Na viagem levo o sol, restos de incandescência e tudo isto dentro dos olhos. Os meus olhos são dois pastores de luz desvanecida. Percorro uma légua, o meu carro marca léguas, e o sol teima em não se deitar, fica suspenso, brinca com uma cegonha, dá de vaia a um girassol teimoso como ele, mete conversa com um homem que anda à procura do tempo, cura as asas dos pássaros com beijos de luz pequenina, entretém-se com pequenas coisas como as crianças fazem quando não querem ir dormir. Desconfio que a natureza, nesta tarde, não deu conta do filho, ou então fui eu, com o meu espanto, que impedi que a noite me roubasse o sol e o tempo. Do meu lado esquerdo, num céu sem nuvens, a lua redonda espera pelo cansaço do sol, sabe que ele não aguenta muito mais tempo. Mas hoje a lua enganou-se, vai ter de aguentar a insurreição do sol e a minha ilusão. Se fosse eu a mandar no crepúsculo, trocava o sol e a lua de sítio só para enganar a cegonha. E quando chegasse a casa, noite cerrada, logo acabava com a brincadeira.

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