Quando mais me aproximo da morte, menos medo tenho da morte, dizia o homem sentado na esplanada. Quando eu era moço, só de pensar nela arrepiava-me todo, quanto menos conversa sobre o assunto, quanto menos palavras, melhor, mas as mulheres da minha casa e as da minha rua, ora ao fogo, ora ao fresco, não se calavam com falecimentos, uns por doença, outros por escolha. A minha mãe levava-me pela mão aos funerais, ficávamos até ao fim, até à última pazada de terra, sempre ao lado da cova, ao lado do caixão aberto, ao lado do choro e dos gritos, ao lado dos beijos no rosto ressequido e frio. A minha mãe queria que eu aprendesse a lidar com a morte, a morte faz parte da vida, dizia-me ela, mas a morte matava-me o sono e a tranquilidade, punha-me doente e cansado. Nunca fui capaz de beijar ninguém morto, não sei se aguentaria o frio e o silêncio da cara. Vou pedir que não me beijem quando eu morrer, não sei se aguentarei o calor dos lábios. Quando eu era novo tinha medo de morrer porque achava que ia morrer novo. O tempo foi-me ensinando que a morte vem quando calha, a gente nunca sabe, para uns vem mais depressa, para outros demora mais. Vamos aprendendo a lidar com a morte, mas só quando nos morre a mãe é que aprendemos que a morte faz parte da vida. Afinal, para mim ainda não veio, esperei por ela estes anos todos e ela não quis saber de mim, talvez porque deixei de pensar tanto nela, talvez porque gosto de viver, talvez porque já fiz muito do que queria fazer. Agora tenho muito mais medo de sofrer do que de morrer.