Diário do Alentejo

Cemitério
Opinião

Cemitério

Vítor Encarnação, professor

29 de setembro 2023 - 09:00

Quando eu era novo e ia ao cemitério só visitava uma campa. Entrava, procurava o anjo de mármore a chorar eternas lágrimas de mármore e ao lado estava a campa dos meus avós maternos. Foram eles os primeiros que me morreram. Ficaram os dois na mesma cova, primeiro foi a minha avó e depois o meu avô. Ficava ali a olhar para as duas fotografias e via-os completamente vivos.  Nunca os quis ver mortos, foi o melhor que eu fiz. As outras sepulturas pertenciam a outros netos, a outros filhos, a outros pais. Eu era demasiado novo para os conhecer. Despedia-me dos meus avós maternos e ia-me embora. Depois morreu a minha avó materna e então comecei a visitar duas campas. Entrava e logo à esquerda estava a minha avó, trocávamos um bocadinho de silêncio e depois ia à procura do anjo de mármore. Depois morreu o meu tio, nunca percebi por que razão o meu tio morreu tão bom e tão novo. O meu tio ficou na campa da minha avó, a minha avó voltou a ter o filho no seu colo de cinza. Eu imagino a felicidade e a dor da minha avó quando o viu chegar. Depois morreu a minha tia e comecei a visitar três campas. Depois morreram outros familiares, amigos, vizinhos, alguns tão jovens, que pena tão grande foi a minha. Depois morreu o meu pai, quando o meu pai foi sepultado, a minha avó estava com o meu tio ao colo na campa logo ali à entrada do cemitério a vê-lo passar. Depois morreu a minha mãe e o meu pai já estava à espera dela para jantar. Agora, quando vou ao cemitério, o meu percurso de saudade é cada vez maior. 

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