Diário do Alentejo

A depressão é uma doença
Opinião

A depressão é uma doença

Ana Matos Pires, médica psiquiatra e membro da coordenação nacional das políticas de saúde mental

11 de agosto 2023 - 16:00

A perturbação depressiva é, nas suas diferentes formas, uma das mais prevalentes patologias mentais e das principais causas de disfunção pessoal em todo o mundo.

Ainda que os fatores envolvidos na etiopatogenia da depressão sejam multifatoriais e que não se possa, nem deva, falar de uma causa única para o adoecer depressivo, deprimimos porque temos cérebro, a sede física da mente e, portanto, do adoecer mental. 

Se, como diz a Organização Mundial de Saúde (OMS), “Não há Saúde sem Saúde Mental”, também não há abordagem terapêutica à doença depressiva grave sem intervenção “sobre” os mecanismos cerebrais, isto é, sem uma adequada terapêutica antidepressiva.

Assinalou-se no passado dia 22 de julho o Dia Mundial do Cérebro, altura em que foram dados a conhecer resultados do inquérito “A visão dos portugueses sobre a depressão” * e que merecem algumas considerações.

Como referiu Susana Almeida, médica psiquiatra, “o facto de nove em 10 pessoas afirmarem procurar a psiquiatria para a abordagem clínica da depressão, se a tal fossem aconselhadas, está em concordância com a significativa maioria dos inquiridos revelar ter adequada perceção da depressão como uma doença (86,2 por cento), para a qual o tratamento é relevante (94,8 por cento). A perceção da depressão como doença implica que seja tido em conta o seu maior risco, o risco de suicídio, um grave e sério problema de saúde pública. Atenta ao facto de, em Portugal, o Alentejo ser a região paradigmática deste fenómeno, inequivocamente associado a depressão não identificada ou não tratada, é compreensível que os inquiridos desta região se tenham mostrado mais sensíveis à necessidade do correto diagnóstico e necessário tratamento desta doença e, por tal, tenham sido unânimes ao considerar procurar a psiquiatria, sem qualquer constrangimento. De igual modo se compreende que 90,2 por cento tenham assumido tomar um antidepressivo, caso lhe fosse prescrito, independentemente de considerarem que esta medicação causa dependência (80,5 por cento)”.

Se estes dados são positivos, os resultados do inquérito relativamente à perceção dos inquiridos face às terapêuticas para a depressão, em particular aos efeitos secundários que associam à toma de antidepressivos – sonolência (70,5 por cento), dependência (64,9 por cento), alterações de peso (47,2 por cento), lentificação de raciocínio (44,9 por cento) e alterações na vida sexual (37,3 por cento) –, mostram como ainda é tão importante lutar contra o estigma e pelo aumento da literacia em saúde mental.

estigma        

es.tig.ma (i) ʃ’tigme

(Do grego stígma, stigmatós, “marca de ferro em brasa”, pelo latimstigma, -ătis, “estigma; ferrete”)

substantivo masculino

(…)

  1. figurado sinal vergonhoso; mancha na reputação

Olhemos para o “estigma” com este significado, “sinal vergonhoso; mancha na reputação”, é o seu sentido quando o assunto é psiquiatria e saúde (ou melhor, doença) mental.

 O “estigma” relacionado com a doença mental resulta, em grande parte, do medo do desconhecido e de um conjunto de falsas crenças que originam ignorância e incompreensão. As suas raízes, tanto históricas como culturais, são antigas, profundas e complexas e o estigma é, ainda hoje, responsável por atitudes e processos de marginalização, de exclusão social e de inadequação no diagnóstico e tratamento.

Além do estigma, a falta de literacia em saúde em geral, e em saúde mental de modo ainda mais acentuado, é outro aspeto que merece ser assinalado.

A OMS define literacia em saúde como “o grau em que os indivíduos têm a capacidade de obter, processar e entender as informações básicas de saúde para utilizarem os serviços e tomarem decisões adequadas de saúde”.

Repare-se como a maioria dos portugueses (94,8 por cento) defende que o tratamento para a depressão é de extrema importância, contudo, quando questionados se tomariam um antidepressivo se lhes fosse receitado, dois em cada 10 dá uma resposta negativa.

Por outro lado, os dados salientam ainda que são os mais jovens e o público feminino que afirmam ter um maior conhecimento sobre depressão. Mas, são também os mais jovens (18 aos 24 anos) os mais céticos em relação à toma de antidepressivos, cerca de 30 por cento afirmam que não iam tomar antidepressivos se lhes fossem receitados. São também estes que afirmam em maior número que este tipo de medicamento causa dependência.

A depressão é uma doença multideterminada, cujo tratamento ideal implica a conjugação de estratégias psicofarmacológicas e psicoterapêuticas. São demasiadas as pessoas que sofrem devido a um tratamento inadequado. As implicações pessoais, familiares e sociais são demasiado graves para serem ignoradas.

*O inquérito “A visão dos portugueses sobre a depressão” foi promovido pela Lundbeck Portugal e envolveu um total de 1215 inquiridos, telefonicamente, entre os dias 27 de setembro e 3 de outubro de 2022. Todos os indivíduos inquiridos são maiores de idade e residem em território nacional. A margem de erro do estudo é de 2,81 por cento para um intervalo de confiança de 95 por cento.

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