Diário do Alentejo

Mariana Alcoforado - Carta 1
Opinião

Mariana Alcoforado - Carta 1

Vítor Encarnação, professor

04 de agosto 2023 - 16:00

Mariana, mon amour. Cortaram as vinhas. Agora, a minha tristeza vê-se melhor. Finalmente ganhei coragem, finalmente olhei para dentro de mim e não encontrei nada de honroso, nada de digno, nada que me faça merecer-te. Apenas encontrei fraqueza de espírito, desculpas, disfarces, enganos, delongas. Neste pérfido e cruel mundo, os homens constroem-se em torno de ideias de pedras, de gelo, de raciocínio, de insensibilidade, de ferro, de músculos. Foi assim que fui criado. Para triunfar sobre os outros homens, para procriar, para conquistar, para enriquecer. E ajoelhar-me apenas perante a bandeira, o Rei e Deus. Ajoelho-me agora perante ti, meu amor distante, meu amor prisioneiro desse convento, da tua família, da vida, do destino.

Ao ler as tuas cartas, batem-me dois corações dentro do peito, o teu bate mais forte, o teu é que me mantém vivo, o meu pede-me todos os dias para morrer. Ao ler as tuas cartas, descobri que elas me despiram de tudo o que eu achava que era. A tua paixão, as tuas palavras de fogo, a tua sede da minha alma, a tua fome do meu ser, abriram um buraco dentro de mim, uma ferida que não sara, uma dor que não acaba, um sofrimento que não amaina. É nesse buraco que eu me escondo, é nesse lugar fundo que eu guardo as tuas cinco cartas. E à noite, quando dispo a farda de militar, quando me dispo do que os outros acham que eu sou, releio cada linha, cada parágrafo, cada linha, cada palavra, cada letra e, imagina, choro, choro muito.

Ton amour, Noël Bouton de Chamilly.

Comentários