Diário do Alentejo

A minha praia
Opinião

A minha praia

Vítor Encarnação, professor

29 de julho 2023 - 15:00

A praia é um medidor de tempo, é uma maré de passado a desaguar no presente. Quando vamos para a mesma praia há décadas, vemos o resultado da passagem do tempo, vemo-lo nos outros e os outros veem-no em nós. Se fecharmos os olhos conseguimos ver o passado, conseguimos ir lá mais longe, outras roupas, outras músicas nas esplanadas, outros chapéus-de-sol, outras marcas de carros, se abrirmos os olhos só conseguimos ver o presente. O presente é uma ampulheta a escorrer areia da praia. As pessoas são as mesmas, mas já não são as mesmas, ou porque o tempo as foi derrubando, ou porque o tempo as foi construindo. A única coisa que nós conseguimos ver das pessoas conhecidas com quem nunca falámos é o corpo.

O corpo que elas traziam consigo quando as vimos pela primeira vez já é outro. O corpo de um homem que só era pai é diferente do corpo do mesmo homem que agora também é avô. O corpo da menina que brincava com um papagaio de papel é diferente do corpo dessa menina que agora já é mãe. Há corpos que nunca mais voltaram, há corpos que vieram pela primeira vez. A praia é um interlúdio entre existências que nós nunca vemos durante o resto do ano. Eu conheço pessoas que nunca vi em mais lado nenhum, não faço ideia onde vivem, que profissões têm, apenas nos encontramos todos os anos neste palco em frente ao mar. Com a maior parte deles nunca troquei uma palavra, ainda assim noto que no olhar há uma espécie de confirmação, de registo de presença, uma certa confirmação de identidade.

Comentários