Diário do Alentejo

Cartas
Opinião

Cartas

Vítor Encarnação, professor

15 de julho 2023 - 16:00

Tenho saudades de receber cartas, dessas com remetente e destinatário, selo e carimbo, caligrafias conhecidas, escritas à mão, dessas que se esperavam ansiosamente, de namoradas, de filhos distantes, de amigos ausentes, de pais emigrados. Tenho saudades de ficar à espera do carteiro, a uma hora mais ou menos certa, de o ver a surgir ao fundo da rua, em ziguezague, uma casa e depois outra, o número par e depois o número ímpar, demorei a perceber essa lógica de organizar as ruas, as cartas empurradas por debaixo da porta, nesse tempo as caixas de correio eram poucas, às vezes falhava uma porta, às vezes duas ou três, esperava que não falhasse a minha.

O carteiro aproximava-se da minha porta, aproximava-se da minha inquietação, trazia meia dúzia de cartas na mão, só já restavam outras tantas casas, três de um lado e três de outro, a minha era a última, podia ser que sobrasse uma carta, uma que viesse da Alemanha, as da Alemanha vinham por avião, as da Alemanha demoravam mais, tinham traços vermelhos e azuis nas extremidades e ao longo do envelope e diziam Mit Luftpost. Foram as primeiras palavras alemãs que aprendi, mesmo sem saber o que elas significavam, eram duas das palavras mais importantes da minha vida. Mais ou menos de quinze em quinze dias chegava uma carta com o meu nome escrito a azul. Eu rasgava o envelope, era a letra do meu pai, eram as lágrimas da minha mãe, era o tempo que faltava para as férias, era o tempo que faltava para remendar três corações.

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