Diário do Alentejo

Balneário
Opinião

Balneário

José Saúde, jornalista

14 de maio 2023 - 11:00

A janela do tempo diz-nos que a impressionabilidade daqueles que conheceram a realidade de um balneário, no contexto do futebol, local onde se cruzavam diversos diálogos foi, e é ainda hoje, um lugar supremo de transcendentes acontecimentos. Conheci os cheiros inalados de vestuários e a irrefutável verdade que constatei ao largo de vários anos traz-me à memória inesquecíveis condiscípulos oriundos desses eruditos lugares. No Despertar, em Beja, recordo, enquanto juvenil, o “tio” Cambado, o roupeiro que estava sempre pronto para satisfazer as nossas solicitações. Mas o “tio” Cambado, embora circunstancialmente amargurado com a vida, não rejeitava um pedido que lhe era reivindicado.

Depois dos treinos e dos jogos arrecadava os equipamentos, lavava-os à mão num alguidar de barro, estendia-os num arame, umas vezes por baixo das arcadas do municipal Dr. Flávio dos Santos, outras defronte ao balneário, quando o sol brilhava, sendo este suportado com estacas em madeira e à hora do treino tudo se apresentava em condições para se iniciarem as sessões de trabalho. Como sénior tive o grato prazer em conhecer o balneário do Desportivo de Beja. Recordo como fui recebido, com 18 anos, e apadrinhado pelo grupo, sendo o Nói Alves, guarda-redes de excelência, um dos meus grandes companheiros. Equipávamo-nos lado a lado e a amizade resvalou para o tratamento comum de compadre. E foi assim, como compadre, que sempre nos tratávamos até ao derradeiro dia em que a morte o levou. Mas, no Desportivo houve uma personagem que cativava o balneário: o Baiôa.

O Baiôa era um brilhante contador de histórias e um homem de “negócios”. Vendia roupa e relógios. Um dia encomendámos-lhe peúgas e outras peças de vestuário vindas do Egipto, sinalizando, de pronto, o material pedido. Só que a encomenda não havia meio de chegar e uma tarde perguntámos qual a razão da demora. Resposta pronta do ilustre mertolense: “Malta, o barco que transportava o carregamento ficou apreendido no canal Suez e a entrega vai demorar”. Concluindo: o dinheiro que serviu de sinal, e que entrou nos bolsos do Baiôa, jamais fora restituído e nem tão-pouco recompensado. Num jogo em Évora, quando Suarez era o nosso treinador, defrontámos o Juventude e houve um lance em que eu, lateral direito, ia dividir a bola com um adversário, só que o Baiôa se antecipou e no choque com o opositor fraturou um osso do pé. No regresso a Beja fomos dar os parabéns ao nosso companheiro João Caixinha que tinha casado nesse dia e dedicar-lhe a vitória (1-0). A boda teve lugar na quinta do Visconde, Boavista, e o Baiôa, mesmo coxo, “desviou” um peru assado da “mesa real” e lá o transportou debaixo da sua gabardine branca, ficando a promessa que a ave seria comida na terça-feira, após o treino. Porém, o tal “passarinho” nunca chegou a aparecer. Exemplos, de uma cristalina camaradagem, que deixaram saudades! 

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