Diário do Alentejo

Longos dias passam depressa
Opinião

Longos dias passam depressa

Vítor Encarnação, professor

06 de maio 2023 - 10:00

Ainda a traineira não tinha atracado ao cais do porto de pesca de Sines e eu já estava acordado. O meu sono foi curto e leve porque o meu sonho era demasiado grande para caber dentro do meu sono, os sonhos maiores só se sonham quando estamos de olhos abertos. Levantei-me e fui para a entrada da vila. O vendedor de peixe entrou nos meus olhos ao mesmo tempo que o sol. Fui atrás deles, o peixeiro vendia peixe, o sol dava luz. De rua em rua, de travessa em travessa, uma caixa de sardinhas ficou vazia e o meu coração começou a bater mais depressa.

O vendedor de peixe olhou para mim como se fosse o sol a brilhar e deu-me a caixa. Passei pela carpintaria e pedi duas tábuas toscas, meia dúzia de pregos, um parafuso dos grandes, o homem da oficina deu-me quatro rolamentos, o estendal da roupa da minha mãe deu-me uma corda, o meu vizinho emprestou-me um martelo. Comecei a construir o sonho. Primeiro, preguei uma tábua à parte de baixo da caixa de sardinhas, o eixo traseiro fixo, capaz de suportar o peso de um sonho, todo eu era um sonho de trinta quilos. Depois, aparafusei outra tábua, o eixo dianteiro móvel, as quimeras não são uma coisa a direito. A seguir, arredondei as pontas das tábuas, montei quatro rodas e atei uma corda para guiar o meu sonho porque quem não sabe guiar sonhos nunca chega a lado nenhum. Desci a avenida vezes sem conta. Já a traineira tinha partido do porto de pesca de Sines e eu ainda não me tinha ido deitar.

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