Diário do Alentejo

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Vítor Encarnação, professor

29 de abril 2023 - 13:00

Prefiro mil vezes a antipatia ao cinismo, dizia o homem sentado na esplanada. Com os antipáticos sei sempre com o que posso contar. Chegam, não dizem nem bom dia, nem boa tarde, fecham a cara e a boca, não falam do tempo, não perguntam pela família. Eles ocupam um espaço, os outros ocupam outro. Existem por si mesmos e aparentemente não precisam que ninguém valide a sua opinião ou o seu aspeto. Nem nunca dão azo a que isso possa acontecer. Quem está está, quem vai vai. Mesmo quando estão com outras pessoas, estão sozinhos remoendo a sua alma escura. Achamos que a alma é escura apenas porque os achamos antipáticos, se calhar até têm almas bonitas, eles é que não as mostram.

Os antipáticos não perdem tempo com coisas que não sentem, não gosto muito de antipáticos, mas os antipáticos nunca me enganaram. Com os cínicos é preciso ter mais cuidado. Chegam e é só salamaleques, abrem o sorriso e a boca, depois lá vem a conversa da família, como está este, como está aquele, se precisarmos de alguma coisa é só dizer, sempre tão preocupados com a nossa saúde, tão disponíveis, tão solidários. E nós a ouvirmos as falsidades. Os cínicos têm por hábito perder muito tempo com coisas que não sentem, não gosto de cínicos, os cínicos já me enganaram muitas vezes. Ao princípio, entrava no jogo do cinismo. A pessoa dizia uma e eu dizia outra e ali ficávamos, ridículos, perversos, a brincar aos enganos. Agora já não tenho paciência. Prefiro ser antipático.

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