Diário do Alentejo

Odemira: Crise hídrica – um ecossistema em risco!
Opinião

Odemira: Crise hídrica – um ecossistema em risco!

José Rocha, advogado

28 de abril 2023 - 14:00

Como concidadão agricultor e também como odemirense, insurgi-me com a realidade já conhecida, e que muita tinta fez correr nos últimos tempos.

Não é a primeira vez que me manifesto, não será a última, assim como muitos odemirenses e concidadãos que todos os dias olham com preocupação para a situação existente no concelho de Odemira e no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, quer pelos últimos acontecimentos, quer pelas questões ambientais e de escassez de recursos.

Desde 2017/2018 que a situação está sinalizada, e a verdade é que além de “tentativas”, nada foi feito efetivamente!

A crise hídrica que assola o País, mormente o Baixo Alentejo, in casu, o concelho de Odemira em geral, realidade que bem conheço, não só por ser advogado em representação de muitos agricultores, mas também por ser agricultor.

A agricultura intensiva “veio, viu e, para já, parece que venceu” !

Em função da elevada procura de terras para agricultura intensiva, a sua prática provocou uma diminuição do caudal da barragem de Santa Clara que fornece a água ao concelho de Odemira.

Já no pretérito, é importante perceber que todos os agricultores foram alvo de uma decisão sobre o consumo de água, pois a Associação de Beneficiários do Mira (ABM) decidiu diminuir o consumo de água por parte dos agricultores.

Por exemplo, numa herdade de regadio com 200 hectares e com área de perímetro beneficiada, por exemplo, com 30 hectares de área beneficiada, apenas é concedida água a esta área.

Muitos agricultores que precisam de fazer as suas forragens para alimentar os seus animais, veem-se e vêem-se aflitos.

Além de que, quem utilizar mais água do que a estipulada paga um valor exorbitante a mais pelo uso, valor esse que é impraticável para qualquer agricultor, a saber: o valor normal está nos três cêntimos, podendo ir até aos 14 cêntimos por metro cúbico, em caso de ultrapassar o consumo estipulado, in casu, 3500 m3.

A continuar assim, já era quase impraticável manter animais em exploração, ficando apenas os vasos das estufas e a terra revoltada!

Não obstante, à data de hoje o volume máximo atribuído na campanha de 2023 corresponde a 1800m3 por cada hectare beneficiado inscrito, sendo que o volume máximo atribuído aos fornecimentos precários é de 1000m3 para a utilização anual e de 500m3 para a utilização semestral.

Não devem os agricultores que não praticam agricultura intensiva pagar pelos que praticam e fazem um uso desmedido dos recursos!

Não obstante, no presente, a informação que chegou aos associados da ABM, comunicado com o seguinte teor: “Foi realizada uma reunião em Lisboa com os presidentes de Câmara dos Municípios de Odemira e Município de Aljezur, que contou com a presença do secretário de Estado Gonçalo Caleia Rodrigues e ainda com o diretor geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, Rogério Paulo Ferreira, na qual, os referidos presidentes transmitiram as suas preocupações sobre a proposta de repartição dos recursos hídricos e proposta de demissão da Direção em funções, alertando para as graves consequências que tais decisões poderão vir a desencadear, não só na regular e equitativa distribuição da água entre os beneficiários, bem como para o facto de uma distribuição por cultura, contribuir para o aceleramento do esgotamento dos recursos hídricos, que se apresentam nos níveis mais baixos dos últimos cinquenta anos, com consequências diretas e negativas, quer ao nível social, quer do ponto de vista económico e ambiental, com danos irreparáveis, para a região”.

Mais foi referido:

“Que os pequenos frutos na sua maioria são produzidos em estufa, muitos em vaso, sendo estes os responsáveis pelo consumo aproximado de 85 por cento dos recursos hídricos disponibilizados pela barragem para a agricultura.

A Barragem de Santa Clara, encontra-se com valores mínimos de armazenamento nunca atingidos, o que exige medidas de carácter excecional, com a adoção urgente de modelos de consumo que permitam a recuperação dos níveis de água, devendo ser evitados os consumos anuais superiores às afluências.

O recurso à bombagem do volume morto - água que não deveria ser suscetível de captação, mas que neste caso já está a ser captada desde julho de 2019 – torna a recuperação das cotas da albufeira inatingíveis, porque os consumos continuam sistematicamente a ser superiores às afluências”.

Concluíram dizendo mesmo que:

“O superior consumo aos seus afluentes, é o caminhar velozmente para os limites mínimos de segurança, esvaziar as reservas essenciais e destinados ao abastecimento das populações e animais, valores que sempre foram preservados, e que podem vir a ser colocados em causa, com a pretendida alteração de repartição dos recursos conforme defendido pela Direção Geral da Agricultura, sua Tutela e grandes grupos económicos, que sobre o pretexto da sua elevada contribuição para o PIB nacional”.

Pois bem, vamos à balança: vale mais o ecossistema ou a contribuição destes grandes grupos económicos no PIB?

A resposta é óbvia e não levanta dúvidas.

Não vale tudo.

O capitalismo é o principal promotor de crises sociais num Estado de Direito democrático!

Nada vale a contribuição económica, se tivermos a braços uma crise de recursos e também por inerência uma crise social.

Agora quem pode “lava as suas mãos”, quem não pode sofre como sempre, in casu, os agricultores, cujas vidas e famílias dependem de uma gestão criteriosa dos recursos.

Existem dezenas de explorações com milhares de animais, e com a escassez de recursos existente, claramente estamos perante um atentado a vários níveis.

O Governo como sempre deixou andar, perdeu o fio à meada.

As denúncias, as reuniões de urgência, as assembleias, as conferências, a opinião na rede social, pouco servem, se nada for feito em concreto.

Uma coisa é a teoria, de quem está sentado numa secretária ouvindo o que se passa! Outra coisa, é o conhecimento aliado à prática, e saber exatamente o que se passa efetivamente, ser cirúrgico, e não fazer apenas cumprir normas e regulamentos, mas sim montar um mecanismo prático, exequível, eficiente e canalizar durante o tempo necessário esforços até à solução.

Requer-se, assim, uma intervenção cirúrgica – prática, do Governo, ou estaremos claramente a braços de uma crise social.

Os cidadãos merecem uma resposta concreta e não um exonerar de responsabilidades, entre as várias instituições que têm a tutela sobre os variados assuntos.

Odemira é um concelho ímpar com locais magníficos, praias maravilhosas, natureza mágica e muito acolhedor.

Acolhedor demais, talvez!

Um concelho em que a sua maior riqueza se pauta pela biodiversidade e diversidade de paisagens, capaz de surpreender todos os dias não só os visitantes, mas os próprios odemirenses.

Como se diz num cartaz do município, “o concelho de Odemira é um Alentejo Singular”, lugar único no sentido completamente diferente de todo o Alentejo”. Ou também como um cartaz de há uns anos, “Odemira, o Alentejo num só concelho”. O mais extenso concelho de Portugal, com vistas deslumbrantes sobre o oceano. Por isso, um concelho muito procurado desde há largos anos a esta parte, não só por estrangeiros, mas também por portugueses.

Está em risco um dos litorais, até há bem pouco tempo, mais bem preservados do País e da Europa.

Reitero o que disse há mais de um ano:

O Governo deve urgentemente ordenar um levantamento sobre a área total já ocupada no Perímetro de Rega do Mira destinada à produção agrícola e exigir um estudo de impacto ambiental para perceber qual o estado e quais as consequências da prática contínua da agricultura intensiva baseada na utilização de plástico e produtos químicos, mas essencialmente como fazer uma gestão hídrica equilibrada!

Deve ainda Ministério do Ambiente levar a cabo um plano de ação que implante um novo modelo de desenvolvimento agrícola, seguindo os princípios da Organização das Nações Unidas para a alimentação e agricultura, pois só assim poderemos tentar chegar a um sistema agroalimentar sustentável e recuperar o nosso deslumbrante Parque Natural.

Sem agricultura não comemos, não alimentamos as nossas famílias.

Pelo ambiente, pela Agricultura, pelas famílias, por Odemira, por Portugal, Governo AJA!

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