O professor olha em volta, pensa e conclui que quase nenhum daqueles alunos irá ler um livro na vida, muito poucos serão aqueles que folhearão os livros que marcam a história da existência humana. Irão certamente sobreviver a essa falha, o que não se conhece não faz falta nenhuma e a vida não está só dentro dos livros, isso é mania dos intelectuais, essas infrutíferas e ufanas criaturas, a vida está cheia de outras coisas, principalmente de realidade.
E a realidade, seja isso o que for, é para quem não lê livros o único caminho que existe entre o acordar e o deitar. E essa condição, essa ausência de sonho, é-lhe suficiente. O professor sabe que dentro daquelas vidas digitais, a literatura infantil morreu cedo, a última vez que ouviram palavras de fantasia foi da boca da educadora, lá em casa não havia tempo nem vontade de imaginar outros mundos para além da realidade. O professor fica triste por eles nunca irem ter essa profunda felicidade de se descobrirem dentro dos livros, de se construírem a partir dos livros.
Às vezes, o professor tenta, fala-lhes de um título ou de um autor, fala-lhes do encantamento e do deslumbramento que sentiu com um livro, um capítulo, uma frase, como isso o marcou para o resto da vida, como isso lhe preencheu o espaço e o tempo que há entre o acordar e o deitar, tenta convencê-los que as páginas dos livros estão repletas de muito do que o ser humano precisa para viver: sensibilidade, emoção, criatividade, evasão, amor, introspeção, liberdade, paixão.