A lista já está feita, poucas mudanças há de ter, com a minha idade já conheci quem havia de ter conhecido, já me dei com quem me devia dar, já resolvi tudo o que havia a resolver, já me fizeram tudo o que me tinham a fazer, quer de bem, quer de mal, dizia o homem sentado na esplanada. A batizados e casamentos só vai quem é convidado e a funerais vai quem quer, mas ao meu só vai quem eu disser que pode ir. Pensei nisto há mais de trinta anos, umas vezes acrescentava nomes, outras vezes riscava-os e se os riscasse era certo que nunca mais lá voltavam.
Punha-lhes uma cruz em cima, era remédio santo. A lista ainda é grande, ainda há muita gente boa, mas muitos não hão de lá pôr os pés que eu não deixo, não fazem lá falta nenhuma. Só de pensar em ter lá alguns de roda do caixão dá-me voltas ao estômago, não preciso lá de velhacos. Imagino-os, sonsos, dizendo bem de mim, que sempre nos demos bem, que Deus leva primeiro os que mais gosta, dando os sentimentos aos meus moços que hão de vir, um de Lisboa, outro da Suíça, sem conhecerem aqueles fingidos. Até se podia dar o caso de algum desses traiçoeiros agarrar-se à pega da urna ou jogar uma pazada de terra para dentro da cova.
Já levei a lista ao notário para ele a autenticar, o homem ficou espantado, disse que nunca lhe tinha passado tal assunto pelas mãos, nem sabia se era legal, tinha de ir perguntar, mas eu rematei que não se preocupasse, que pusesse o carimbo que eu pagava o que fosse preciso.