Diário do Alentejo

Só a verdade liberta
Opinião

Só a verdade liberta

Manuel António do Rosário, padre

24 de março 2023 - 14:00

O relatório sobre os abusos na Igreja Católica, as conferências de imprensa e as polémicas destes últimos dias recordaram-me dois textos paradigmáticos: um do Evangelista S. João: “Só a verdade liberta”; e, o outro, da declaração sobre a Liberdade Religiosa, do Concílio Vaticano II (1962-1965): “A verdade não se impõe (…) senão pela sua própria força”.

Gostava, contudo, de introduzir nesta reflexão mais um elemento: as “fontes da moralidade”, segundo S. Tomás de Aquino (século XIII, um dos maiores vultos do pensamento católico), que são três: sujeito, objecto e circunstâncias.

O sujeito é a pessoa que age, movido por finalidades (teleologia) e intenções. Se acentuarmos a subjectividade, esquecendo a dimensão objectiva, podemos cair no subjectivismo: a minha consciência é deus em mim (Kant), é infalível; logo, eu sou o detentor da verdade.

O objecto, ou dimensão objectiva, é a “coisa em si” (há coisas boas, más..). Se valorizarmos esta dimensão, esquecendo a subjectiva, incorremos numa moral de regras impostas (heterónomas), que infantilizam e obstaculizam a maturidade e a autonomia, tornando a consciência mera repetidora de regras.

Por fim, as circunstâncias, e como diria Ortega y Gasset: “o homem é ele e as suas circunstâncias”. Estas agravam ou atenuam a responsabilidade, mas nunca poderão tornar bom o que é mau ou vice-versa.

Formar, pois, a consciência pessoal na rectidão e na verdade, encontrando o equilíbrio que este exigente “tripé” nos coloca, não sendo tarefa fácil, parece-me ser o caminho mais justo, autêntico e verdadeiro, para evitar arbitrariedades e usurpações.

A Quaresma, tempo em que nos encontramos, é propícia para um sério exame de consciência, que nos introduza no caminho de uma autêntica conversão, a qual não pode ser mera retórica, mas antes desafio para todos os membros da Igreja, qualquer que seja a sua missão; e, no tocante aos abusos, a palavra do papa Francisco é clara e implacável: tolerância zero!

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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