Diário do Alentejo

Riade e Teerão estarão mesmo mais próximos?
Opinião

Riade e Teerão estarão mesmo mais próximos?

Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais e Diplomacia na Universidade Portucalense

18 de março 2023 - 15:00

A 10 de março os representantes do Irão e da Arábia Saudita, que se encontravam em Pequim, surpreenderam o mundo com o anúncio de um acordo de normalização e reabertura dos canais diplomáticos completamente fechados desde janeiro de 2016 e condicionados desde 2011 com a escalada da “Primavera Árabe” para vários conflitos na Síria, Iémen e Líbia.

O acordo, mediado por Pequim, e apresentado um dia após a eleição de Xi Jinping para um terceiro mandato como presidente da China, algo que apenas Mao Tsé-Tung fizera e que estava barrado constitucionalmente desde a presidência de Deng Xiaping, tem vários pontos que nos devem levar a uma necessária reflexão.

O aparecimento da China como potência política, e agora como potência diplomática, desafia a lógica da China apenas como relevante no domínio económico-financeiro. A China ganhou, desde 2013, uma nova assertividade que começa agora a traduzir-se em materializações tangíveis. Se em 2022 descobrimos que a Turquia tem capacidade criativa de desenhar algo como o Acordo de Exportação de Cereais dos portos Ucranianos no mar Negro, para serenar o impacto da guerra no espaço eslavo; 2023 apresenta-nos uma China a normalizar dois pólos centrais do mundo Islâmico.

A implementação do acordo, porque para já ainda estamos no tempo apenas do que poderá ser, se ocorrer como Pequim almeja confirmará a entrada da China num espaço que o Ocidente perdeu, quando a chama da democratização do Médio Oriente, no decurso da “Primavera Árabe”, se apagou... das cinzas do sonho emergiram novas autocracias que mais depressa alinham com Moscovo e Pequim do que com Washington e Bruxelas.

A implementação do acordo, a acontecer sem grandes disrupções, poderá abrir a porta a uma solução negociada para cessar hostilidades no Iémen, onde vigora um cessar-fogo que expirou (formalmente) em novembro de 2022, mas que ainda se mantém (efetivamente) ativo. A aproximação do Irão à Arábia Saudita poderá permitir uma diluição das tensões entre os vários “governos” que reclamam ascendente sobre a Líbia e permitirá reformar eficazmente o Líbano.

O aparecimento da China como um mediador da paz consertada no Médio Oriente pode indiciar que Pequim se prepara para tentar substituir a Turquia na resolução do conflito russo-ucraniano, neutralizando o parco capital diplomático da União Europeia e suplantando-se à diplomacia cada vez menos eficaz dos Estados Unidos da América.

O acordo também levanta incertezas. Será possível à Arábia Saudita restabelecer relações com o Irão, ao mesmo tempo que se preparava para lançar as bases para a normalização das relações diplomáticas com Israel, que tem no Irão um arqui-inimigo? E qual o impacto disto no Iraque onde xiitas (+60 por cento) e sunitas (+35 por cento) se bloqueiam politicamente desde a retirada das forças norte-americanas? Quererá a Arábia Saudita entrar para o formato de Astana que tenta mediar a solução para a Síria?

A diplomacia volta a dar provas de que está viva e ativa, mas os resultados da alteração profunda das alianças desenhadas no pós-Guerra Fria trará consequências que poucos de nós conseguem ainda vislumbrar. Mas que o caminho para o entendimento pelo diálogo é possível, isso Pequim parece ter conseguido provar... resta ver se outros querem aprender...

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