Diário do Alentejo

Pode a Moldova ser o alvo seguinte do Kremlin?
Opinião

Pode a Moldova ser o alvo seguinte do Kremlin?

Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais e Diplomacia na Universidade Portucalense

24 de fevereiro 2023 - 13:00

A Moldova surgiu recentemente no espaço mediático pelas alegações de que a Rússia estaria a planear um golpe de estado para fazer cair o aparelho político, encabeçado pela presidente Sandu e pelo primeiro-ministro Recean, ambos oriundos do Partido Ação e Solidariedade, partido pró-europeísta de matriz liberal.

O Partido Ação e Solidariedade venceu as eleições parlamentares de junho de 2021 e controla 63 dos 101 mandatos, mas as sondagens mais recentes indicam que o partido que sustenta o governo da Moldova passaria dos atuais quase 53 por cento de votos para menos de 32 por cento. Em sentido contrário o Bloco de Socialistas e Comunistas está a subir nove por cento e o Partido Şor sobe mais de 12 por cento em menos de dois anos, ambos pró-russófonos teriam agora capacidade de formar governo.

Um golpe de estado poderia acelerar materialmente, algo que os tempos políticos normais apenas trarão em junho de 2025. Sendo importante olhar com cautela para as alegações de golpe de estado “em preparação”, não é irrelevante o facto de a 21 de fevereiro Putin ter suspendido o decreto presidencial que garantia que a Rússia se comprometeria em facilitar uma solução para a questão da Transnístria sem violar a integridade territorial da Moldova.

A Transnístria, caro leitor, é uma das duas regiões independentistas da Moldova que se autoproclamou no começo dos anos 1990 não tendo para já, contudo, o reconhecimento de qualquer estado com assento nas Nações Unidas. No âmbito das missões de monitorização da paz, a Rússia, no quadro da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), tem estacionados mais de 1200 soldados na região.

Ora a presidente Maia Sandu tem pedido à Rússia que retire as suas tropas e a ela juntou-se a voz do novíssimo primeiro-ministro, que a 19 de fevereiro voltou a dizer que as tropas russas deveriam sair da região e o quanto antes. Ainda antes da anulação do decreto presidencial, já Peskov, porta-voz do Kremlin, avisava Chisinau que a histeria russofóbica poderia ter consequências nefastas…

Há ainda mais uma peça neste complicado puzzle: a anulação, também a 21 de fevereiro, da diretiva presidencial n.º 605 de 7 de maio de 2012, que definia as prioridades da política externa da Federação da Rússia, permite à presidência, em conjugação com o Conselho de Segurança da Rússia, definir de modo had oc as ações de política externa “necessárias e prementes” para garantir a segurança e integridade territorial da Rússia.

Sendo tudo ainda nebuloso e incerto, e sendo importante não assumir que existe apenas um fetichismo revanchista de Putin, um plano caótico informado na ignorância, parece ser claro que a Moldova será uma peça crucial numa altura em que a guerra russa-ucraniana ultrapassou a marca de um ano de conflito permanente, cessando com um período de paz aparente e localizada… porque falar de sete décadas de paz na Europa é ignorar a Guerra dos Balcãs, as duas guerras no Nagorno-Karabakh e a incursão russa na Geórgia.

Ignorar o passado, não aprender com ele, trouxe-nos a este presente… pelo que é bom ter presente que não devemos, nem podemos, repetir erros.

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