Diário do Alentejo

Noite dos Namorados
Opinião

Noite dos Namorados

Vítor Encarnação, professor

17 de fevereiro 2023 - 16:00

A motorizada adivinha-se a meia légua de distância. Noite sim, noite não, da ladeira do monte, dois olhos brilhantes avistam um fio de luz, um pequeno sol dançarino a abrir caminho por entre estevas, breu e silêncio. O motor vai ladeira acima rasgando o silêncio e quando o sossego volta a tomar conta do monte, o pai dos olhos brilhantes acende um cigarro, atiça o fogo e diz qualquer coisa entre dentes. Lá fora, ao frio que nenhum sente, sentam-se os dois no poial, os corpos afastados um do outro pelas coisas que dentro de casa são ditas entre dentes. Uma mão que gostava de atiçar o fogo de outra apenas consegue uma breve ignição de pele, uma chama pequenina que se apaga nos dedos que morrem de tristeza.

Namoram há quatro meses, noite sim, noite não, quando não é o pai é a mãe, outras vezes os sobrinhos, a luz da rua sempre acesa, gente a sair e a entrar, a carne adiada, o desejo quebrado. Restam-lhes as palavras, ele traz umas, ela tem outras à espera dele, trocam-nas como se fossem beijos, como se fossem mãos dentro da roupa, como se o poial fosse uma cama. Esta noite ele trouxe umas palavras novas, urgentes, definitivas. Ela ouviu-as, disse que sim, disse que já voltava. A motorizada vai ladeira abaixo matando o sossego do monte. Em cima dela vão quatro olhos brilhantes. O pai quer ir dormir, é tarde mas a filha não vem. A meia légua de distância, um fio de luz desaparece na noite. 

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