Diário do Alentejo

Pintor
Opinião

Pintor

Vítor Encarnação, professor

06 de janeiro 2023 - 12:30

Conheço um homem que tem sangue às cores, ao pé dele o sangue azul não vale nada, e quando esse sangue colorido passa pelo coração nasce-lhe um arco-íris nos olhos. E é daí, desses tradutores de deslumbramento, dessas portas que se abrem para o fascínio, dessas janelas de onde se vê a perfeição, desse céu matizado, desse olhar profundo que vê o que nós não conseguimos ver, que as cores escorrem e voam e dançam e estremecem e se alvoraçam e sossegam e poisam numa tela de espanto. Conheço um homem que tem tinta nas mãos, não, não é sobre a pele, não é debaixo das unhas, é dentro da carne, é até ao tutano, vai braços acima, encharca-lhe o peito, inunda-lhe o cérebro. O cérebro é a fonte da ideia, da forma, da técnica, do conteúdo, da obra toda.

O cérebro dele é uma coisa de tinta tão bonita que eu não sei explicar. Conheço um homem que tem mãos que beijam o quadro, e é daí, desses dedos, desses pincéis que são dedos e desses dedos que são pincéis, desses mestres de luz, desses inventores de sombra, desses alquimistas de tons, dessa expressão intensa que aviva o que para nós está morto, que o traço se revela e se arrebata e se magnifica e vem habitar os nossos olhos de espanto. Conheço um homem que pinta com o corpo todo, incluindo a alma. O corpo é o lugar, a alma é o tempo. Cada quadro que ele pinta é o nosso lugar, cada obra que ele cria é o nosso tempo. Conheço um homem que sabe explicar tão bem a beleza.

Comentários