Diário do Alentejo

Hora zero
Opinião

Hora zero

Vítor Encarnação, professor

03 de janeiro 2023 - 12:00

A hora zero é a hora mais extraordinária que o tempo nos dá. Doze badaladas, apenas doze badaladas, separam o nosso passado do nosso futuro. Um fogacho, um instante, um quase nada, partem a linha do tempo. Os relógios dão corda ao nosso ânimo e os ponteiros são os nossos braços com força para tudo. Na noite de ano novo tudo parece ser novamente possível. Até nós próprios, outra vez e outra vez e outra vez. Já foi assim no ano que passou e no anterior e antes desse e antes de todos os que vieram depois.

Esquecemo-nos – é a única fuga que temos – que o ano velho também já foi novo. Por vergonha e por pudor, nem nos queremos lembrar dessa lei. Faz agora um ano que também nos projetámos no horizonte como fogo de artifício. Víamos tudo tão nítido, tão próspero, tão luminoso. E depois fomos tropeçando nos dias e nas noites e nas pessoas e na família e em nós próprios e no trabalho e nos desamores e nos enganos e nas rotinas e nos planos falhados e nas injustiças e na nossa insignificância e na nossa incapacidade e nos nossos erros e na nossa falta de coragem e no desalento e nas palavras que dissemos e nas palavras que não dissemos e nas dúvidas e na solidão e nas mortes que fomos tendo. Houve horas em que cegámos, emudecemos, ensurdecemos e caímos. E é para esquecermos tudo isto que precisamos dessa hora zero em que o ventre do tempo nos põe mais uma oportunidade nos braços. Para fazermos as horas plenas.

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