Diário do Alentejo

O SNS a Passos do Caos
Opinião

O SNS a Passos do Caos

Rodrigo Ramos, professor

09 de dezembro 2022 - 14:00

Se sobe a temperatura, zangam-se os estudantes, na secreta esperança de receberem o prémio humanitário Greta Thunberg. Se desce, põe-se de imediato o SNS a tossicar. Com franqueza, antes assim do que ao contrário, já que nenhum professor teria temperamento para dar aulas a um coro de tosse convulsa, nem um paciente encontraria ânimo para se deixar auscultar por um SNS azedo e birrento. De modo que não é por cisma que o SNS se recusa a atender os pacientes, nem por capricho que a Ordem dos Médicos empilha pedidos de escusa de responsabilidade.

A fazer fé nas notícias mais recentes, os chefes de equipa do Serviço de Urgência Geral do Hospital Garcia da Orta, conforme tem sido prática recorrente, apresentaram a demissão. Para que não se dissesse que as demissões morrem sempre solteiras, os chefes de equipa do Serviço de Urgência Geral do Hospital Amadora-Sintra seguiram o exemplo. Os pobres médicos, esquecidos de reivindicações salariais, alegaram como justificação única as indignas condições de trabalho. Argumentaram que se viam forçados a transigir com condições indecentes, em que não poderiam imaginar alguma vez encontrar os seus próprios familiares.

Epicamente, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, correu a acudir à desgraça. Como? Dando uma entrevista! Oh, críticos de pacotilha, é precisamente disto que Portugal precisa! De mais retórica no lugar da eficiência. Este bom homem há-de curar o país, não com exames, análises ou medicamentos, que os não há, mas com boas reflexões, com valiosos conselhos, com remições de culpa. Tendo Manuel Pizarro, nada nos faltará! E o que disse o senhor ministro? Vestiu com brio o paramento socialista e atirou com as culpas para cima de Passos Coelho. Sete anos de Governo o PS serviu, não ao SNS, mas a si mesmo e passada esta manilha de tempo, Manuel Pizarro ainda credita a Passos Coelho 12 horas de tempo de espera, em média, por uma consulta de urgência. Na opinião esclarecida do ministro, são as águas de ontem que impedem o funcionamento dos moinhos de hoje. Foi com certeza com Passos Coelho em mente que os jovens doutores deixaram por preencher 161 vagas de formação especializada e 67 de medicina interna. E têm razão: quem tem sangue novo não se quer prender a um sistema decadente e fatalista, que mal dá de si numa sala de recobro. Pois tenham os deputados laranja paciência, mas se vêem nisto um cartão vermelho é certamente dirigido ao governo do PSD, que esteve no poder de 2011 a 2015, e nunca à gestão danosa do PS, pai pródigo do SNS, que a todo o instante escorrega no descuido de vitimar o filho por homicídio na forma tentada.

De todo o modo, ainda estou para saber por alma de quem se hão-de curar as pessoas? Andam mais pálidas, e isso que tem? A raça lusitana sempre teve uma pele demasiado morena, a lembrar a ociosidade do Verão, o que nos tem valido amargas repreensões de alguns dos países mais prósperos da União Europeia. Para grandes males, grandes remédios: se nos queremos aproximar dos países nórdicos, e se há reservas em fazê-lo através da economia ou de políticas liberais, principiemos pela palidez do rosto… e por uma certa indiferença do olhar que advém das dificuldades respiratórias. Prometida uma aparência idêntica à de um finlandês, sempre queria ver quem se recusava a adoecer. Não se pode é depois exigir diagnósticos, tratamentos, terapias! Há outros métodos para nos libertarmos da dor: consta que a confissão afasta muitos males e todavia os párocos desesperam por não ter em quem deitar a bênção; diz-se que o futebol também dá muitas alegrias e, no entanto, mais depressa se atulha uma sala de urgências do que o café do senhor Amílcar, que tem uma assinatura da Sport TV e uma televisão 4K; além de que os comprimidos de cianeto são muito elogiados em determinados quadrantes da sociedade.

Mas as pessoas, com a dor, ficam de cabeça perdida e, em vez de procurar consolo nos amigos ou num medronho de Santana da Serra, atiram- se aos médicos, malnutridos, ruidosos, lívidos. Pois se tem de ser, ao menos que o façam à vez, que diabo! O SNS está de uma fraqueza gelatinosa e estes atropelos matam-no. É indispensável que se agendem as maleitas. Vejam: o meu vizinho deu entrada no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, no passado dia 3. De modo que ninguém me há-de tirar o apêndice antes da Colecção de Órgãos da Primavera/Verão do próximo ano. Enquanto sufoco a dor, vou desfiando com saudade aqueles tempos idos, em que se dizia com orgulho que tínhamos o melhor SNS do mundo.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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