Diário do Alentejo

Plano Ferroviário Nacional, uma agradável surpresa para o Baixo Alentejo
Opinião

Plano Ferroviário Nacional, uma agradável surpresa para o Baixo Alentejo

Fernando Caeiros e José Lopes Guerreiro

03 de dezembro 2022 - 16:00

Há meia dúzia de semanas numa troca de impressões sobre a o aeroporto de Beja, publicada no blog Alvitrando, suscitámos a importância de uma ligação ferroviária alternativa ao Algarve, com uma chamada de atenção para um artigo sobre “O reordenamento ferroviário do Alentejo” by Trainmaniac, publicado no dia 2 de outubro no Portugal Ferroviário. Estávamos então longe de supor que seria entretanto aprovada a proposta de Plano Ferroviário Nacional (PFN) para inquérito público, conferindo à data da sua publicitação, o dia 17 de novembro de 2022, como o mesmo Trainmaniac escreveu, um significado especial “para a história das políticas públicas portuguesas – pela primeira vez desde a abolição da ditadura, Portugal volta a ter um documento estratégico para desenvolvimento a longo prazo da rede ferroviária, permitindo consolidar uma visão coerente para futuras intervenções, que será codificado na lei nacional, tal como já existe um Plano Rodoviário Nacional”.

Saúda-se a proposta, pela coerência, ousadia, clareza e linguagem, não tivesse o grupo de trabalho sido constituído por especialistas de reconhecida competência.

Na nossa modesta opinião, a proposta de PFN vem ao encontro das melhores expectativas regionais sobre a estratégia de desenvolvimento da mobilidade sustentável para o Sul, reequilibrando a atenção a uma parte substancial do território que, manifestamente, tem sido menosprezada nas últimas décadas, tal como se verifica com a desativação de uma boa parte da rede ferroviária regional e com a reiterada teimosia em desconsiderar um melhor aproveitamento da existente infraestrutura aeroportuária bem como do sucessivamente protelado investimento na acessibilidade rodoviária.

O PFN não só acolhe as mais relevantes sugestões que académicos e especialistas e sociedade regional têm defendido, como confirma a sua pertinência e importância para o desenvolvimento equilibrado do território, apostando na coesão territorial, olhando o país como um todo, articulando paralelamente com os nossos vizinhos, com uma arquitetura de rede que tanto  valoriza as ligações ibéricas mais tradicionais como coloca em cima da mesa outras, como a ligação Faro-Huelva- Sevilha, que estendida para norte, Faro-Beja-Évora-Lisboa, confere à malha da rede ferroviária uma coerência conforme aos objectivos fixados para o PFN.

Em sede de Plano com um horizonte temporal de cerca de meio século, que não de Programa de Investimentos calendarizado e com estimativas de custos e fontes de financiamento, cuja pertinência não é de somenos, circunscrevendo-nos ao Baixo Alentejo e aos territórios contíguos, sublinha-se a sinalização no mesmo de projectos como: a eletrificação da linha Casa Branca-Beja; a reabertura da linha Beja-Estação de Ourique, eletrificada; a eletrificação do ramal de Neves Corvo; a construção de uma nova linha Sines-Grândola; a modernização da Linha do Sul, no troço entre Torre Vã e Tunes, ponderando-se em alternativa a construção de uma nova ligação, Castro Verde-Faro, que inclua Évora e Beja no mesmo Eixo Lisboa- Algarve, sem prejuízo de uma intervenção mais comedida na atual Linha do Sul.

Ainda que não avancemos com outras considerações, nomeadamente em torno da reabertura ou não de linhas de interesse regional desativadas, deixamos um alerta para a premência da reabertura do ramal para o transporte de concentrados processados nas lavarias de Aljustrel, conjugando com a reabertura da linha Beja-Estação de Ourique, e sugerimos que nos detenhamos no que de verdadeiramente ousado e inovador o PFN aponta para o Sul: a tal nova ligação que inclua Évora e Beja no mesmo Eixo Lisboa-Algarve.

Efetivamente, para que o país venha a ser dotado de uma rede ferroviária moderna no todo do território nacional, que responda aos desafios da primeira metade do século, como os da sustentabilidade ambiental e da coesão e competitividade territorial, o Sul não poderá ficar arredado de uma infraestrutura ferroviária com segurança e tempos de circulação competitivos, aberta à circulação de pessoas e mercadorias, em linha com os padrões europeus, o que não será possível alcançar por muito investimento que se faça na Linha do Sul, onde, a prazo, se anteveem  constrangimentos de capacidade. Aliás, é o próprio PFN que a dado passo refere: “... esta solução pode ser insuficiente para assegurar ligações adequadas ao Sul do país, especialmente, se se quiser perspetivar a integração desta linha na rede ibérica, estendendo o corredor desde Faro até Huelva e Sevilha”.

Por isso, surge, e bem, uma solução alternativa, enquanto extensão natural do anunciado novo corredor Algarve-Andaluzia, agora em início de estudo por decisão dos governantes ibéricos aquando da 32ª Cimeira Luso-Espanhola realizada no dia 4 de novembro em Viana do Castelo.

Este investimento, a par da terceira travessia do Tejo também consignada no PFN, como não poderia deixar de ser, certamente que suscitará discussões apaixonadas, quer por razões ambientais quer pelo envelope financeiro que mobilizará e ainda pela complexidade da construção de uma via com as características desta, que não poderá atravessar a serra do Caldeirão sem aprofundados estudos de engenharia, onde pontuarão numa densidade inusual túneis e viadutos - enfim, nada com que a engenharia nacional tal como a helvética e outras de regiões cuja orografia é menos dócil não ultrapassem. Convém, porém, referir o baixo custo em mais de metade do traçado em território baixo alentejano, cuja orografia é facilitadora, a par dos menos onerosos encargos com expropriações, embora tenhamos de ter presente a mitigação dos danos ambientais em territórios da rede Natura, procurando uma diretriz que sempre que possível não colida com os valores ambientais que lhes são inerentes.

Tal como também é referido no texto do PFN, esta solução, além de diminuir os tempos de viagem, coloca as cidades de Évora, Beja e Faro no mesmo eixo, mostrando-se possível um tempo de viagem inferior a 2 horas entre Lisboa e Faro, com paragens em Évora e Beja.  Simultaneamente, servirá o aeroporto de Beja e é também facilitadora do acesso às metalurgias de Huelva dos minérios da faixa piritosa ibérica em território nacional. Diz-se ainda naquele documento estratégico: “Combinando com a construção de uma ligação entre Faro e Sevilha em termos semelhantes, isto viabilizaria um tempo de viagem entre Lisboa e Sevilha inferior a 4 horas”. Esta constatação só por si aconselha que o traçado da nova linha que atravessará a Serra do Caldeirão e o Campo Branco seja objeto de estudo em simultâneo com o estudo da linha Faro-Huelva-Sevilha. Ao fim e ao cabo uma interconexão transeuropeia fundamental entre os Eixo do Atlântico e o Corredor do Mediterrâneo.

O encolher das metas para a descarbonização a que o país se propõe não estará desligado de investimentos como os na ferrovia, questão que a UE não poderá escamotear, alocando no futuro mais avultados meios para o apoio ao desenvolvimento da infraestrutura ferroviária como a consignada no PFN, donde a importância em calendarizá-lo, dando a justa prioridade ao apoio aos investimentos com resultados no mais curto período, ajustados ao perfil para a alta velocidade, como a reabertura com eletrificação da linha Beja-Estação de Ourique, antecipando os planos governamentais, a par da aceleração da já anunciada eletrificação da linha Casa Branca-Beja, com ligação ao aeroporto e construção do respectivo interface (questão lamentavelmente omitida no Plano e que terá de ser suprida). Mais que um gesto de boa vontade para com este território, é uma decisão inteligente que urge, em linha com a filosofia do PFN, que poderá constituir um duro golpe nos detratores da consideração do aeroporto de Beja com funções complementares aos aeroportos de Lisboa e de Faro - assim as circunstâncias o exijam - quando invocam tempos de deslocação entre Beja e Lisboa e entre Beja e Faro, sendo que, a curto/médio prazo , com a modernização da linha para ligação direta de Beja a Lisboa e a reabertura ao tráfego da linha Beja-Funcheira  o argumento questiona-se, e cairá de todo a médio/longo prazo com a nova linha de alta velocidade que vai colocar Beja a cerca de três quartos de hora de Faro, a 35 minutos de Évora e a uma hora e pouco de Lisboa.

Por outro lado, a consolidação da linha orientadora do PFN após discussão pública não poderá sofrer reveses, tal como o primeiro ministro insinuou na apresentação do plano, quer por escolhas políticas adversas, com sofisticadas artimanhas como tem acontecido com a valorização do aeroporto de Beja, quer por inação dos atores locais e regionais, nomeadamente agentes económicos e entidades públicas como as CCDRs do Algarve e do Alentejo e as Comunidades Intermunicipais do Algarve e Alentejanas que, poderão começar a dar um sinal de envolvimento, levando às Estratégias de Desenvolvimento Territorial e Instrumentos de Planeamento, Gestão e Ordenamento do Território que superintendem a filosofia e o compromisso emanado do PFN.

Cabe também aos municípios mais diretamente abrangidos um sinal de empenho, aproveitando desde já a revisão em curso dos respectivos Planos Diretores Municipais para uma referência a possíveis corredores das novas linhas nos respectivos territórios e às obras de valorização das linhas existentes e a reabrir.

Uma outra saudação, a propósito do nosso veemente apelo “juntem-se porra!” em artigo publicado no O Público sobre o aeroporto de Beja, que parece ter finalmente sido ouvido, pela constatação da convergência de posições dos autarcas de Beja e de Évora em torno do PFN e também em sintonia com António Costa que num evento partidário centrou a sua intervenção no mesmo assunto.

 Espera-se agora que não se tenha iniciado um processo de anúncios sem consequências, tal como acontece com a chegada da autoestrada a Beja, pelo menos três vezes publicamente anunciada, coisa que segundo nos dizem continuará adiada por muitos anos, inobservando-se, estranhamente, o PRN tão efusivamente citado pelo Primeiro Ministro. Gato escaldado...

 

Fernando Caeiros foi presidente da Câmara Municipal de Castro Verde (1976-2008) e vogal executivo na Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Alentejo (2008-2012).

 

José Lopes Guerreiro desempenhou os cargos de vereador na Câmara Municipal de Beja, presidente da Câmara Municipal de Alvito, presidente da Associação de Municípios do Distrito de Beja e presidente da Região de Turismo Planície Dourada.

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