Diário do Alentejo

O Activismo em Bloco… de Esquerda
Opinião

O Activismo em Bloco… de Esquerda

Rodrigo Ramos, professor

26 de novembro 2022 - 15:00

Não há muitos anos, a sociedade acusava os jovens universitários de passarem pelo mundo levemente, de não terem consciência política. Hoje, criticamo-los por não terem consciência. Porque inegavelmente a política esteve presente nas acções de protestos em defesa do clima que, nas últimas semanas, vários estudantes levaram a cabo, na forma de gritos ritmados, punhos cerrados ao alto, palmas e na já inevitável ocupação de edifícios.

E porque hão-de ser estas manifestações políticas? Porque, como sucede sempre que um conjunto de jovens se aglomera em indignação, o Bloco de Esquerda acorreu a juntar-se-lhes e se prontificou a encarneirá-los de acordo com o seu inventário ideológico. Assim temos como um protesto pelo clima e pela salvação do planeta acabou com os estudantes instrumentalizados na bafienta luta contra o capitalismo, ignorando que muito provavelmente será, de facto, o capitalismo a salvar o mundo. Não esperemos da África subsariana qualquer invenção tecnológica que reduza as emissões poluentes ou que substitua os combustíveis fósseis; nem das regiões do Médio Oriente em permanente conflito, ou dos países comunistas da América Latina e da Ásia. A salvação da humanidade, se for ainda tempo dela, provirá dos países capitalistas ocidentais, das suas economias industrializadas, que criarão os meios necessários para substituir ou alterar a composição química dos combustíveis de carbono. Justamente uma opinião que se tem generalizado é a de que a civilização não se vai afastar dos combustíveis fósseis; o que adivinha é uma redução significativa das emissões desses combustíveis. E há hoje – precisamente no mundo capitalista, de todos os lugares satânicos, veja-se! – a tecnologia e o conhecimento científico para o fazer.

Não obstante, a lista de reivindicações dos estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa coloca em flutuante inoperância outras exigências que nada têm a ver com o clima, mas que são muito caras à expressão teológica do Bloco de Esquerda. A maior guerra, contudo, não parece ser declarada em defesa do clima, mas contra a gramática. É de maravilhar, a quantidade de vitupérios linguísticos que se albergam hoje nos corredores da Faculdade de Letras de Lisboa, como aqueles que convidamos a ler na lista de reivindicações destes grevistas thunberguianos.

Ora, cumpre às Faculdade de Letras e de Ciências Sociais e Humanas ser um repositório da tradição universitária, no que respeita à autonomia do pensamento, à valorização da crítica, ao respeito pelo contraditório, mas também de se constituírem um protectorado da Língua Portuguesa. Dito isto, quando um estudante de uma Faculdade de Letras ou de Ciências Sociais e Humanas comunica, leva consigo não apenas as exigências que defende, mas a exigência suplementar de ser claro na fundamentação do seu ponto de vista, na disponibilidade para ouvir alternativas, na exposição de argumentos ponderados e no uso entusiasmado da retórica; por outro lado, não cabe nas suas competências a invenção de vocábulos, de que serve de exemplo o divertido compactuamento, nem a mutilação de todos os substantivos e adjectivos que ousem apresentar-se a público com marcas designativas de género, que na lista de reclamações se viram aberrantemente transformados em conhecides, algume, todes e alunes. Devo deixar claro que, de um modo abstracto, não me oponho ao uso da pronúncia algarvia para resolver questões de identidade de género. Parece, de resto, ser bem mais eficaz do que a redundância do vocativo portugueses e portuguesas, com que alguns dos mais altos dignatários de Portugal nos têm brindado, à hora do Telejornal. Parece-me, todavia, que, agrupados numa lista reivindicativa, o único bem que fazem ao país é a gargalhada.

Decerto que, já no meu tempo de estudante, havia demasiado Bloco de Esquerda para tão vasto átrio da Faculdade de Letras, demasiado esquerdismo para a liberdade, no fundo, mas nunca se dirá que havia obscurantismo. Naquele tempo, argumentava-se, debatia-se e não me recordo de ver distribuída uma tal quantidade de palavrões imaginados ou estropiados, como os que o rebanho bloquista de académicos de hoje aplica.

Outra diferença substancial é a de que até ao início do século se argumentava para convencer o outro lado; hoje, argumenta-se para rachar os infiéis. De resto, o jovem universitário encontra as estratégias da argumentação bem mais simplificadas do que no passado. Actualmente, arquitecta-se uma boa argumentação em quatro alicerces, tão singelos que o estudante mais despiciente pode cabular e trazer sempre na algibeira. Saiba o leitor como se argumenta nos estabelecimentos de ensino em Portugal: 1) reduz-se um problema intrincado a um conceito primário; 2) cria-se uma figura responsável pelo mal; 3) Constrói-se uma narrativa de oposição, tão poética quando a aptidão do uso da retórica permita, para que os futuros seguidores – já de si ansiosos por se deixarem conduzir por uma nova hierarquia de domínio – a entendam como uma divisa de educação progressista e de superioridade intelectual. 4) promovem-se reacções contestatárias e, por vezes, humilhantes, apontadas a quem pretenda arriscar pronúncias de objecção. Daqui resulta uma visão unilateral do mundo, que atira para a sombra e para o vazio quaisquer outros entendimentos; assim se reduz o debate e se cancelam os opositores, que emudecem com receio de uma exposição impopular.

O que nos dizem os especialistas é que o problema do clima é complexo e não se resolve com o azedume da Greta Thunberg ou com a imitação dos seus prantos e bramidos escandalizados. É próprio dos governantes ouvirem os cientistas, os activistas, os empresários, a indústria e mesmo assim, tudo ponderado, espontaneamente tomarem más decisões. No entanto, todos são unânimes em prevenir a população de que a transição energética deve ser célere, mas não abrupta. Se a legislação obrigasse à suspensão integral do uso de combustíveis fósseis já amanhã, os estudantes não tinham como sobreviver, porque não se souberam acautelar devidamente. A maioria não dispõe de uma mula e de uma carroça para a sustentável locomoção entre a casa e a universidade, as quais, em muitos casos, não ficam à distância de uma caminhada. Para mais, no Natal que se aproxima, o novo telemóvel da maçã custará muito mais do que os mil euros anunciados, se tiver de chegar aos consumidores exclusivamente por vias eléctricas, eólicas ou hidráulicas. Quer queiramos quer não, a nossa vida é alicerçada numa economia de combustíveis fósseis. Importa alterar esta realidade, mas não será à conta de nos atirarem à cara mãos cheias de termos mal escritos, nem da porção de ideologia comunista que compõe um diploma académico.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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