Diário do Alentejo

Jorge Vieira - A homenagem incompleta
Opinião

Jorge Vieira - A homenagem incompleta

José Filipe Murteira, professor

19 de novembro 2022 - 14:00

Se fosse vivo, Jorge Vieira teria completado, há dois dias, cem anos. Por coincidência, no mesmo dia em que José Saramago atingiria a mesma idade.

No caso do escritor, as comemorações do centenário do seu nascimento (que começaram precisamente um ano antes, no dia 16 de novembro de 2021, numa sessão no Teatro São Luís, em Lisboa, onde participou o Presidente da República) têm englobado uma panóplia de eventos por todo o país, como exposições, teatro, dança, ópera, colóquios ou edição de livros (destaque para a monumental biografia, da autoria de Miguel Real e Filomena Oliveira).

Já no caso do artista o mesmo não se pode dizer. Para além da mostra documental na Gulbenkian, que assinalou a integração do espólio doado pela viúva, Noémia Cruz, na Biblioteca de Arte dessa instituição, que decorreu durante um mês (terminou no passado dia 14) e que incluiu uma mesa-redonda, pouco mais se descortina a nível nacional, quer a nível de iniciativas (ainda que deva ser realçada a exposição realizada no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira, entre setembro do ano passado e fevereiro deste ano, que teve como ponto de partida o Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido), quer mesmo na comunicação social nacional.

É no contexto destas comemorações que se integra a exposição patente no Centro de Arqueologia e Artes, na Praça da República, com o título “Memória e Mitos – o Touro na obra de Jorge Vieira”, que estará patente ao público até ao dia 18 de março do próximo ano. Uma exposição a que se juntarão outras iniciativas a que, numa recente visita guiada, a Professora Raquel Henriques da Silva (curadora, juntamente com a escultora Noémia Cruz), resumiu nesta frase: “A homenagem que estava no nosso espírito está cumprida”.

Sem dúvida que sim, essa exposição merece uma visita, como forma de recordar e homenagear o grande artista.

Só que, não obstante isso, julgamos que a homenagem que Jorge Vieira merece ficou incompleta e que, na ausência de vontades que a promovessem a nível nacional, podia e devia ser a Câmara Municipal de Beja a liderá-la, até como reconhecimento pelo magnífico acervo doado pelo artista ao município.

Essa homenagem poderia ter duas vertentes. Uma, a nível nacional, em que, a autarquia bejense, em parceria como várias entidades (autarquias, organismos governamentais regionais e nacionais, museus/centros de arte contemporânea, instituições de ensino, entre outras), apresentaria um diversificado programa, que se prolongasse ao longo de vários meses. Ambicioso, sem dúvida, mas que não deixaria de ser exequível e que projetaria as comemorações para a dimensão que a memória do artista merece. Neste momento tal já não será possível.

Por outro lado, é a nível local, que a autarquia tem ainda a oportunidade de enriquecer esta homenagem, bastando para isso haver a necessária vontade política. De que forma? Levando à prática iniciativas que temos proposto aos eleitos locais, sob diferentes formas, em particular artigos no Diário do Alentejo.

Em 4 de setembro de 2020 (retomando o tema, abordado em artigo no dia 29 de março de 2019): “… num espaço mais amplo (Centro de Arqueologia e Artes, na Praça da República?), que permita, não só a exposição de um maior número de obras do seu acervo [do Museu Jorge Vieira], mas também (…) a realização de exposições temporárias, o acolhimento de criadores (não só desta área), residências artísticas, a promoção de oficinas e ateliers, a criação de um espaço para a exposição de obras de artistas locais…” Trata-se, afinal, de acolher as obras do artista num local com as condições e a dignidade que o edifício tem, para mais numa zona nobre da cidade. Algo que merece uma profunda reflexão, quer de eleitos locais, que dos próprios cidadãos.

Uma outra iniciativa que a autarquia poderá levar a cabo é a identificação das obras do artista no espaço público, concretamente o já citado Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido (junto à Pousada de São Francisco) e a escultura na rotunda à entrada da cidade, junto ao bairro da antiga Cooperativa Lar para Todos. Sobre esse tema, escrevemos na edição do DA de 17 de julho de 2020: “Hoje, para um visitante, nacional ou estrangeiro, praticante do chamado “turismo cultural”, bastaria uma referência à obra e ao autor, em painéis adequados, com a indicação do site (eventualmente da própria autarquia), onde se poderia pesquisar informação mais detalhada, para poder completar os elementos biográficos e artísticos constantes nesses painéis”. No caso das esculturas em rotundas, constaria a identificação do artista, processo que já existe em várias localidades.

Para além dos dois artigos citados, colocámos a questão da localização do Museu Jorge Vieira, na Assembleia Municipal do dia 23 de novembro de 2021, tendo o Presidente da Câmara afirmado, na sua resposta que “… a ideia do executivo é que pelo menos ele continue por mais algum tempo instalado na Casa do Governador (…) nada é definitivo e o executivo não é fechado a novas soluções”.

Finalmente, na sequência de um documento sobre esse assunto, que enviámos aos sete eleitos da CMB, apresentado na reunião deste órgão de 27 de julho passado, foi dito pelo seu presidente o seguinte : “Sobre o Museu Jorge Vieira (…) não está previsto a curto prazo qualquer alteração ao local do mesmo, o que não significa que num futuro não esteja, mas deslocá-lo para o Centro de Artes e Arqueologia de forma permanente tem algumas dúvidas, aliás, o processo de musealização ainda não foi iniciado mas a ideia é ter coleções de caráter permanente, eventualmente no piso 1 com o Museu da História de Beja e no piso 2 com exposições de arte contemporânea de caráter temporário. O Museu Jorge Vieira encontrava-se noutro local que se tentará reabilitar se houver fundos comunitários para o efeito, nomeadamente a Casa da Artes Jorge Vieira precisamente…”.

Perante todas estas questões/afirmações/dúvidas, pensamos que, no âmbito das comemorações do aniversário do artista, talvez fosse importante realizar um colóquio/debate, precisamente sobre o futuro do museu, nomeadamente, sobre eventuais propostas para a sua instalação de forma definitiva, de modo que regresse a atividade que, em épocas passadas já teve e tão importante é, para a política cultural do concelho e da região.

Uma nota final para um outro tema que igualmente abordámos junto dos dois órgãos políticos do município. Termina precisamente hoje a primeira fase para adesão à Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, iniciativa da DG Artes e que tem, entre outros, o objetivo de “…aproximar as diferentes comunidades do território nacional à arte e cultura contemporâneas, contribuindo para o aumento dos públicos e a sua fidelização”. Uma oportunidade única para a dinamização do Museu Jorge Vieira, no contexto da arte contemporânea nacional, até pelos eventuais financiamentos que essa adesão poderá trazer. Será que essa oportunidade irá ser aproveitada ou desperdiçada?

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