A ideia de que as rotinas são sempre algo de negativo é claramente abusiva. Quando elas nos apertam o peito, a respiração, os nervos, quando reduzem a capacidade de contemplação, impedem a quietude, amarguram o pensamento, matam o desejo, então as rotinas não prestam, não nos fazem falta nenhuma, não nos acrescentam nada, apenas nos vão derrubando e quebrando lentamente. Mas eu gosto de algumas rotinas, elas confortam-me, erguem-me, edificam-me, devolvem-me a sensibilidade.
Chego a casa, dispo-me do trabalho, descalço-me dos compromissos e entrego-me por inteiro a meia hora de puro prazer. Quando vou buscar as trelas, os meus cães acompanham os meus movimentos um a um, adivinham a sequência, os olhos dos meus cães são os olhos mais bonitos de todos os olhos, o brilho acende sóis no crepúsculo, clarifica aos sentidos.
Ponho o colete a um, sempre ao mesmo em primeiro lugar, ele já sabe, levanta a pata direita, depois vou atrás do outro, o mais novo já lá vai a caminho, espera por mim, abana o rabo. E depois lá vamos os três fazer um percurso de anos, as mesmas pedras, o mesmo pó, as mesmas pessoas, as mesmas ervas, as mesmas árvores, o mesmo horizonte, o mesmo silêncio, os mesmos ruídos, os mesmos sítios onde os cães param, os mesmos sítios onde os cães se apressam, as mesmas descidas, as mesmas subidas, a mesma distância, tudo tão igual, tudo tão repetitivo, tudo aparentemente tão aborrecido. Ao fim da tarde sou sempre mais feliz.