Diário do Alentejo

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Opinião

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Vítor Encarnação, professor

07 de novembro 2022 - 16:30

O meu avô disse-me que tinha ido ver o mar, ainda agora ele ali estava no quintal e nós morávamos tão longe do mar, mas o avô ia até onde queria, quem mandava no seu pensamento era ele. O avô pôs-me ao colo e eu vi que a roupa dele ainda vinha molhada, só podia ser da água do mar. Nunca te esqueças que nós podemos nascer das coisas impossíveis, lembra-te que enquanto vivermos nada é definitivo, há sempre um lugar para onde ir, uma alternativa às verdades que temos, um mar dentro do nosso quintal. Agarra-te ao que te faz feliz, ao que te preenche, nunca te entregues à resignação, a resignação é uma morte quotidiana.

O avô ensinou-me a ver o que está sem estar e a ver o que não está estando. Estás a ver aquele pássaro a voar? Para a maior parte das pessoas apenas voa, para alguns escreve no céu. Quem é que está certo? Se calhar as duas ideias estão certas, voar não é sempre uma maneira de escrever no céu? Estás a ver aquela borboleta? O que tu estás a ver é este momento, vês a borboleta às cores, acha-la bela, sentes que se enquadra bem na beleza do campo, mas a borboleta teve um passado feio e terá um futuro curto, só lhe resta o presente. Deixa de ser bela por causa do passado feio e do futuro curto? Estás a ver-me a mim, velho e cansado? Pois eu não me vejo como tu me vês, eu sou sempre outro, diferente do que está nos teus olhos, sou sempre mais novo, muito mais novo, sou quase sempre o pássaro que escreve no céu e o presente da borboleta.

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