Diário do Alentejo

Gostava tanto
Opinião

Gostava tanto

Vítor Encarnação, professor

05 de novembro 2022 - 13:00

Gostava tanto de ser capaz de ver o mundo a preto e branco, de não ter dúvidas, de apoiar cegamente a minha ideologia, de concordar sempre com o meu partido, de defender até à exaustão os da minha grei, de estar incondicionalmente do lado dos meus interesses, de abanar a cabeça em sinal de concordância, de fazer vénias, de dar palmadinhas nas costas, de pensar estrategicamente, de falar apenas como fruto dessa estratégia, de tecer loas, de gritar bem alto o nome daqueles que me podem dar um jeitinho, de chorar para mamar, de me desdizer quando for preciso, de apenas acreditar em dogmas, doutrinas e outras verdade absolutas, de me rebaixar em prol de uma cunha, de fazer ecoar a voz do dono, de adorar a voz do dono, de imitar a voz do dono, de ser cacique, de escrever uns artigos a elogiar fulano, ou a difamar beltrano, de mentir descaradamente para obter vantagens, de ocultar a verdade quando ela não me convém ou não convém aos meus correligionários, de não criticar aqueles de quem eu um dia possa vir a depender, a vida dá muitas voltas, de não me opor, mesmo que essa seja a minha responsabilidade cívica e política, a situações tão danosas para o bem comum só porque quem as perpetra é este ou aquele, esta ou aquela, de me calar quando não devia, de falar quando a decência me manda estar calado, de concordar só com os que concordam comigo, de dialogar apenas com os que concordam comigo. Gostava tanto de subir rapidamente na vida.

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