Diário do Alentejo

Ir à lua
Opinião

Ir à lua

Vítor Encarnação, professor

18 de agosto 2022 - 14:30

O avô disse-me que um dia haveríamos de ir à lua. Era o nosso segredo, às vezes é preciso fazer segredo das quimeras, não vale a pena contar a mais ninguém, é tempo perdido, as pessoas racionais não percebem estas cismas, principalmente aquelas que só olham para o chão e para o visível, pois só as que olham para o que não se vê, sonham, divergem, divagam e olhampara cima é que, seja de que forma for, lá conseguem chegar.

 

Dizia-me o avô: Mesmo que eu tenha morrido, no dia em que tu decidas ir, quando te sentires preparado, chama-me que eu vou contigo. Se tiveres uma boa memória de mim é mais fácil saberes onde eu estou, nunca te esqueças que a memória é a única coisa que sobrevive à morte. Saberes onde está a minha campa não chega, isso toda a família saberá, é preciso algo mais profundo, é preciso saber onde está a minha alma. Não a procures dentro da sepultura, as almas nunca ficam enterradas com o corpo, não se desfazem como a carne. Abre a porta da tua memória, a minha alma estará lá dentro, é a primeira coisa que encontras quando entras. Vamos à lua, sim, havemos de ser os primeiros desta terra. O avô era um homem diferente, via o mundo de outra forma, era como se os seus olhos ora tivessem microscópios dentro deles para ver coisas pequeninas, coisas que mais ninguém via, a que ninguém ligava, um átomo de felicidade, uma molécula de coragem, ora tivessem umas lupas enormes para ver o que ninguém conseguia ver por dentro, a paz, a liberdade, a lua e o sol.

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