Diário do Alentejo

Freud de bolso
Opinião

Freud de bolso

Vítor Encarnação, professor

28 de julho 2022 - 11:30

Tem três camisas com cornucópias que a mãe lhe comprou no mercado do mês, são o símbolo da abundância, disse ela, os botões da camisa junto ao pescoço unem a goma dos dois colarinhos, a caneta agarra-se ao bolso com o seu tentáculo de prata, veste calças de tecido com pregas, o vinco começa numa prega e desce como um fio-de-prumo, uma régua de fazenda, até tocar no sapato, clássico, de sola de cabedal, de um preto luzidio, nada o descompõe, quem o conhece sabe que ele não é de levantar cabelo.

Filho único, serôdio, funcionário público, vinte anos de carimbos e preenchimento de requerimentos, entrada sempre a horas, telemóvel preso no cinto castanho plastificado de fivela dourada dizendo que sim a tudo, abstémio, casto, celibatário, comida e roupa lavada em casa dos pais. Mas, há sempre um mas na parte de dentro dos homens, quando o tempo aquece, ele pega no carro e vai para o Centro Comercial. Nos quentes dias de verão, ele não vai às compras, nem ver livros ou escolher discos, vai espreitar mulheres, encosta-se a um pilar junto à bilheteira do cinema e marca as que passam sozinhas, apanha-lhes os decotes e os seios e guarda-os na gaiola da sua frustração sexual. Ele é um inveterado caçador de mulheres, um caçador furtivo, um predador com peúgas brancas de linho, disfarçado de calças de fazenda, cornucópias e pulseira de ouro com uma chapa a dizer amor de pais. É íntimo da mãe. Tem pouco orgulho no pai.

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