Diário do Alentejo

Vozes
Opinião

Vozes

Vítor Encarnação, professor

07 de junho 2022 - 12:30

Acho que a memória das vozes é a memória que se esvai mais depressa, as vozes dos mortos vão ficando mudas por causa da terra que lhes entrou para as bocas, tornam-se ausentes como risos que foram sepultados, a terra foi comendo os sons das palavras, a terra das campas transforma tudo em silêncio. O tempo faz o resto, consome tudo até só restar um vazio, o tempo está para os vivos como a terra está para os mortos, o tempo vai apagando a lembrança dos brados dentro da nossa cabeça.

Mas às vezes lembro-me das vossas vozes, lembro-me como se fosse hoje, como se estivéssemos os três sentados à mesa a falarmos da vida, vocês contavam coisas do passado, eu ainda sabia muitas coisas sobre o futuro, falávamos dos vossos netos, que bonitos e grandes estão os vossos netos, era tão bom se eles pudessem ouvir as vossas vozes, que pena não termos gravado as vossas vozes para eles as poderem ouvir, as fotografias não chegam, não contam o suficiente, as fotografias são mudas por causa do tempo que lhes entrou para as bocas, o avô contava piadas, a avó às vezes ria-se, outras vezes dizia, ai este homem, mesmo agora ouço rumores ali para os lados do quintal, é lá que eu estou a pensar em vocês, ouço-vos a chamarem pelo meu nome, o almoço está pronto, não te demores, tantos anos depois ainda cheira ao jantarinho de grão desse dia. Deixemo-nos estar os três a comer e a falar, temos tempo. A saudade não foge.             

Comentários