Diário do Alentejo

Registo de propriedade
Opinião

Registo de propriedade

Vítor Encarnação, professor

06 de maio 2022 - 10:30

As tuas mãos. Eram lindas as tuas mãos à procura dos meus braços, à procura do meu rosto, à procura de mais pele, à procura de toda a pele. E eu dava-te os braços e o rosto e toda a pele que tinha. Era toda tua no escuro do carro. E depois tu dizias-me que me amavas, que não podias viver sem mim, que eu era a luz dos teus olhos, a única e tua eterna mulher, que me querias para mãe dos teus filhos, que serias tão feliz a meu lado. Quando não estavam presas pelas línguas, as nossas bocas falavam muito, diziam as coisas patetas que os namorados dizem quando estão apaixonados. Os nossos olhos brilhavam no escuro e ficavam ternamente a ver a lua. E o tempo foi passando, aos poucos fui ficando tua, a tua gaja como tu dizias aos teus amigos. O hábito tem um departamento obscuro onde se faz o registo de propriedade das mulheres. O tempo foi a raiz dos hábitos das mãos, principalmente das tuas, e a minha pele já não era uma descoberta, era apenas um invólucro que continha a minha carne e o meu sexo. E depois tu fumavas um cigarro e eu queria falar, mas tu dizias-me que só precisavas de silêncio e de fumar outro cigarro. E eu acenava que sim, dava-te o silêncio e em troca pedia-te as tuas mãos. Mas tu já não me davas as tuas mãos, dizias que precisavas delas para conduzir, dizias que eram horas de me ir levar a casa. E com as mãos no volante aceleravas tanto que nem me deixavas ver a lua.

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