Diário do Alentejo

A rua
Opinião

A rua

José Saúde, jornalista

28 de abril 2022 - 12:35

A rua foi um insofismável berço onde se conceberam excelentes craques no universo desportivo. Na rua nasceram atletas que colocaram no púlpito genuínas referências. Conheci essa irrefutável realidade. A tribo de amigos que me acolheram nos meus tempos de infância, desde o Largo do Ferreira, ou a rapaziada do Rossio, em Aldeia Nova de São Bento, chão onde nasci, ou pelos grupos de crianças onde me integrei em Beja, conduzem-me a um nostálgico leque de soberanas lembranças.

Particularizando a cidade onde cresci, um chuto na bola numa ruela assumia-se como uma infração à lei do Estado Novo e com uma multa que se assumia como pesada para famílias onde o dinheiro por norma escasseava. Os polícias de giro na velha Pax Júlia não davam folgas a uma miudagem que tentava fugir às perseguições de homens fardados, e de vestes tingidas de cinzento, que cumpriam escrupulosas ordens do regime totalitário. Aliás, as suas presenças eram visíveis no mais recôndito lugar de uma qualquer localidade. E é neste perfeito deambular de crianças que sonhavam com a orbe desportiva, que muitos se inclinavam para o futebol.

Nas áreas limítrofes do burgo bejense existiam espaços onde a juventude se sentia mais folgada para disputar um desafio com a malta de um outro bairro. A cidade, à época, tinha auréolas de competitividade que se inseriam com as lógicas herdadas nas zonas em que a moçada residia. Recordo o antigo bairro do João Barbeiro, lá para as bandas da antiga estrada de Évora e a azáfama dos “putos” em princípios da década de 1960. A rapaziada concentrava-se num campo térreo junto à praça de touros, ou num outro situado nas proximidades da ermida de Santo André e ali disputavam os entusiásticos dérbis. Desse lote de moços pertencentes àquele arrabalde de Beja, alguns já crescidotes, evoco nomes e apelidos de condiscípulos que marcaram o cenário do mui nobre palco futebolístico paxjuliano: os “Bajujas”, os “Parranças”, os Ernestos, os Ameixas, os Moisões, os Abóboras, os “Tarugos”, os “Terinhos”, os Lelas, de entre muitos outros que por ora não me ocorrem.

Recordar é viver e nós lá vamos refrescando fantasias onde se guardam encantadoras histórias que tendem cair no limbo do esquecimento. Desse catálogo de recordações fica a convicção que na rua resplandeceram outrora admiráveis desportistas que elevaram, com sublime nobreza, o seu hábil talento. Mas, inserindo a substância atrás citada noutras nuances, todos esses impulsos do antigamente são, hoje, fidedignos atos de convívios, onde as crianças se divertem livremente. No pretérito sábado, na parte da tarde, o Desportivo de Beja promoveu um encontro regional com petizes e traquinas, e eis os miúdos, de tenra idade, a jogarem num dos campos sintéticos do Complexo Desportivo Fernando Mamede devidamente equipados e, sobretudo, vestindo equipamentos e botas de marca. Para trás ficou o encanto do futebol de rua e a inquestionável certeza que os tempos, felizmente, mudaram! 

 

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