Diário do Alentejo

Em tempos de crise: do açambarcamento à especulação
Opinião

Em tempos de crise: do açambarcamento à especulação

Mário Frota, presidente da Associação Portuguesa de Direito ao Consumo

31 de março 2022 - 14:00

O AÇAMBARCAMENTO

1-Em que consiste o açambarcamento:

Em termos correntes, o açambarcamento consiste na acumulação de mercadorias em quantidades consideráveis para provocar quebras no regular funcionamento do mercado e, depois, as colocar por preço mais elevado do que o usualmente praticado. Trata-se de um conceito multipolar cujo cenário é o da conjuntura de notória escassez de bens essenciais ou de matérias primas empregues na sua produção. E é susceptível de se traduzir em:

  • Ocultar existências ou armazená-las em locais não revelados às autoridades de fiscalização, quando tal for imposto;
  • Recusar a sua venda segundo os usos normais da respectiva  actividade ou condicionar a sua venda à aquisição de outros produtos, tanto do próprio como de terceiro;
  • Recusar ou retardar a sua entrega quando encomendados os bens e aceite o respectivo fornecimento;
  • Impedir a venda de mercadorias mediante o encerramento do estabelecimento ou do local do exercício da actividade;
  • Não levantar bens ou matérias-primas que lhe tenham sido consignadas e derem entrada em locais de desembarque, descarga, armazenagem ou arrecadação, designadamente dependências alfandegárias, no prazo de 10 dias, tratando-se de bens sujeitos a racionamento ou condicionamento de distribuição, ou no prazo que tiver sido legalmente determinado pela entidade competente.

2 - Açambarcamento pelo consumidor:

Mas o açambarcamento também pode ser protagonizado pelos consumidores (adquirentes) e a lei prevê-o expressamente: em situação de notória escassez ou com prejuízo do regular abastecimento do mercado, o consumidor que se propuser adquirir bens essenciais ou de primeira necessidade em quantidade manifestamente desproporcionada às suas necessidades de abastecimento ou de renovação normal das suas reservas comete o crime de açambarcamento (açambarcamento de adquirente)

3 - Quando existe infracção?

Quando as hipóteses enunciadas no passo precedente se consubstanciarem, isto é, quando ocorrerem situações que se subsumam em cada uma das descrições feitas ponto por ponto.

4 - Quais são as consequências jurídicas?

Se se tratar de açambarcamento perpetrado por agentes económicos:

  • Com dolo, pena de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias;
  • Com negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias;
  • Se se tratar de açambarcamento de adquirente, a pena de prisão será até 6 meses ou de multa de 50 a 100 dias.

5 - Quais os meios para evitar e controlar o açambarcamento?

Autoridades despertas para o fenómeno. E com uma sistemática intervenção no mercado: “o medo guarda a vinha”! E, sem que se retire da acepção qualquer sentido anómalo, “vigilância popular”, já que se trata de crimes contra a economia popular (infracções anti-económicas ou contra a economia nacional) e se prendem, em geral, com a subsistência de cada um e todos.

6 - Em plena crise energética, qual a possibilidade de existir açambarcamento?

Desde logo, de combustível… com o anormal abastecimento de vasilhame avulso, para além dos riscos que tais condutas propiciam ou agravam. E do gás de botija, por exemplo. E, por curial, de géneros alimentícios de primeira necessidade em detrimento da generalidade dos cidadãos-consumidores, provocando maior escassez ainda e deixando- os à mingua de bens essenciais à subsistência de todos e de cada um. Como parece estar a acontecer com o óleo de girassol.

 

 

A ESPECULAÇÃO

1 - Em que consiste a especulação:

A denominada Lei Penal do Consumo considera como especulação:

  • Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
  • Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
  • Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
  • Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas. Como exemplo apropriado o vertiginoso aumento de preço, nos primórdios da pandemia, dos oxímetros que, de 4,50€, chegaram a atingir, nas farmácias, astronómicos preços de 70, 80 e 90 €…

2 - Moldura penal

  • Pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias;
  • Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias.
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