Diário do Alentejo

“Meia laranja”
Opinião

“Meia laranja”

José Saúde, jornalista

16 de março 2022 - 15:30

Expressa, com altivez, a celsa voz do povo que “cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”. Este velho ditado popular sempre acicatou uma sociedade espalhada pelo mais insignificante recanto deste imenso planeta terrestre. Mas, por razões intuitivas, não alarguemos os horizontes em termos universais e fixar-nos-emos, com a devida cortesia, na região sul alentejana. Conheço, tal como o mais temerário compatriota, a autenticidade desportiva como as nossas gentes sempre fizeram finca-pé a lugares comuns que a sua povoação permanentemente conservou ao longo de vários anos. A rapaziada juntava-se num determinado local e lá surgia à tona da conversa as novidades da terra. Em Beja, urbe que conheço desde os tempos de infância, a “Meia laranja”, situada em plenas Portas de Mértola e localizada entre a Ginjinha, propriedade do senhor Secundino, e o Luíz da Rocha, tendo a Papelaria Correia ao centro, ou seja, à retaguarda do gentio que habitualmente por ali se concentrava, atribuía-se àquele palanque uma aptidão especial, tendo obviamente em consideração as mais díspares e transversais cavaqueiras ali dialogadas.

Para além de tudo o que possamos recordar de uma “Meia laranja” que paulatinamente se fora circunscrevendo a lembranças passadas, era também naquele fulgente espaço que a rapaziada galanteava as moças que num corrupio constante mostravam os seus esbeltos corpos aos olhos de uma juventude masculina que não recusam enviar os seus piropos que deixavam as cachopas extasiadas.

Claro que o falatório travado se encaixava, amiúde, sobre matérias diferentes. Neste contexto, a temática desportiva era um assunto inteiramente comum. Aliás, era lá que o pessoal ficava a conhecer as mais episódicas novidades, principalmente do Desportivo de Beja que, na altura, era o emblema supremo da região. Falamos da década de 1960, em particular. Das contratações às dispensas de jogadores, ou daqueles atletas juniores que subiam à equipa principal, tudo eram temas propícios para refinados diálogos e que conduziam a esmerados debates entre a malta. O Desportivo a disputar, naquele tempo, o Campeonato Nacional da II Divisão, reunia à sua volta um interminável número de adeptos que não descuravam trazer para à tona da discussão as mais diferenciadas narrativas acerca do emblema que se assumia como o maior do distrito. Atenção: escrevemos sobre um passado que já lá vai e que deixou ardentes recordações.

Hoje, tudo é diferente. A “Meia laranja” foi um ícone em Beja que, entretanto, fora perdendo vida, restando o nostálgico sentimento da saudade. Recordo a miudagem integrar-se em grupos para se deslocarem às Portas de Mértola, a fim de conhecerem os novos craques do Desportivo, jovens atletas que não perdiam tempo em mostrarem-se ao pessoal na célebre “Meia laranja”. Tudo, porém, se esfumou. Ficaram as memórias e os usos do antigamente numa roca agora já sem fusos.

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