Todo o português que se honre tem vergonha e sabe que o Aeroporto Nacional da Vergonha é o “novo” aeroporto de Lisboa com 50 anos. Desde logo, a primeira vergonha é um tema com esta importância, relevância e consequência ser tratado, impropriamente como, “aeroporto de Lisboa” e não como “aeroporto nacional”. Este pequeno pormenor faz toda a diferença.
Como todos sabemos os 50 anos do novo aeroporto de Lisboa torna-o ridículo e os últimos episódios (localização, estudos, pareceres, recuos, avanços, decisões e não decisões) absurdo. A enorme ironia é que, muito provavelmente, a decisão vai ser tomada no pior contexto de que há memória, vivemos numa conjuntura global de grande “incerteza insidiosa”. Neste tempo, com seriedade, qualquer cenário prospetivo, em que possa assentar a decisão, é essencialmente inimaginável. A memória é curta e em tempo eleitoral ainda mais; António Costa disse, muito recentemente, não se pense no turismo como até 2019, e um secretário de Estado de qualquer coisa disse que se calhar, com esta nova realidade, talvez seja melhor repensar o aeroporto.
O eminente geógrafo, especialista em geopolítica, Tim Marshall, autor de vários best sellers, designadamente Prisioneiros da Geografia (2017) e o Poder da Geografia (2021), leva-nos a concluir, com muita facilidade, a excelência da localização geográfica de Beja para o novo Aeroporto Nacional. O enorme absurdo surge quando acrescentamos que em Beja existe um aeroporto que a geografia de Lisboa nunca poderá ter. Provavelmente Lisboa é a capital com a pior localização para um aeroporto, rodeado de urbanizações, hospitais, escolas e universidades, instalações militares, etc. Depois, no essencial, Alcochete, Montijo, Alverca, Ota, etc. são a mesma coisa. Também todos sabemos que o aeroporto do principal destino turístico do país, o Algarve, se situa no Parque Natural de Ria Formosa e que muitas das afamadas praias são brindadas com constantes voos a baixa altitude. Pior é difícil.
Convém lembrar que quando tratamos de aviões e aeroportos a escala é global. Ou seja, Lisboa é arredores de Madrid; no caminho em que estamos, queiramos ou não, cada vez mais o será. Nesta escala e contexto, Beja não é interior, não é arredor ou tão pouco subúrbio de Lisboa; Beja é Lisboa. Acontece que o aeroporto de Beja existe porque, em determinada altura, a Força Aérea escolheu esta localização pelas suas condições aeronáuticas excecionais e instalou ali uma base aérea que, em termos de área ocupada, é a maior da Europa e uma das maiores do mundo. Foi essencialmente por esta razão, qualidade aeronáutica excecional, que a Força Aérea alemã ali se instalou desde muito cedo. A escolha alemã, pelo que sabemos do povo alemão, devia-nos bastar para considerar Beja como uma hipótese muito séria.
Por tudo o que se disse torna-se óbvio que o Aeroporto Nacional em Beja servirá igualmente o Algarve, Sines e a Costa Vicentina e, ainda, grande parte da Andaluzia e Extremadura. Daqui também decorre que dificilmente haverá algum Estudo, ou Estratégia melhor que o Aeroporto Nacional de Beja que sustente a coesão territorial e o desenvolvimento do interior.
Por tudo isto, não será perverso pensar que a única razão plausível para que o Aeroporto Nacional não seja em Beja seja o seu inexistente peso eleitoral. Beja apenas elege três deputados contra 48 em Lisboa, ou 66 se somarmos Setúbal. Na contabilidade que, aparentemente interessa, o valor eleitoral de Lisboa (o que elege governos e poderes) equivale à soma do número de deputados de 11 círculos eleitorais: Viseu, Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja, Viana do Castelo, Açores e Madeira.
A desfaçatez chega a este ponto?
Será que o interesse do Senhor Presidente da República considera e quantifica tudo isto?
Pobre país.