Diário do Alentejo

O Gato
Opinião

O Gato

Vítor Encarnação, professor

11 de fevereiro 2022 - 12:05

O que nos vale é termos um gato. Pediste-me um gato eu dei-to, disseste-me que querias um todo preto, de olhos verdes, corri tudo, não foi fácil conjugar as cores, umas vezes encontrava o pelo, outra vez achava os olhos, o gato todo como tu querias é que não, mas por ti eu fazia tudo, antigamente, nesse longínquo tempo em que ainda sabíamos falar, nessa fábula antiga, eu pedia e tu davas, tu pedias-me e eu dava.

Finalmente encontrei um todo preto com olhos verdes, ele era pequenino e o nosso amor ainda era grande. Lembro-me que na primeira noite ronronámos os três deitados no sofá.

O gato cresceu e o nosso amor diminuiu, é isso que o tempo faz com os gatos e com o amor, aumenta uns, reduz o outro, já não ronronamos os três ao mesmo tempo, eu dou-lhe comida e fico com ele até acabar o telejornal, às vezes um pouco mais se tu estiveres ao telefone a desabafares sobre nós, depois ele deita-se sobre as tuas pernas, onde eu me deitava ainda ele não era nascido. Ainda bem que temos o gato. Eu falo com ele para tu ouvires, tu falas com ele para me dizeres alguma coisa, o gato vem ter comigo, olha-me muito fixamente com os teus olhos azuis e depois, quando eu já não tiver mais nada para te dizer, ele volta para ti e olha-te fixamente com os meus olhos castanhos. O resto é silêncio. Os gatos são pouco dados a conversas. Disto tudo só há uma certeza. Não foi o gato que nos comeu a língua.

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