Diário do Alentejo

O desejo e a natureza das coisas
Opinião

O desejo e a natureza das coisas

Vítor Encarnação, professor

03 de fevereiro 2022 - 11:20

Excetuando a situação em que o fim é o próprio desejo, a nossa vida é uma disputa entre o desejo e a natureza das coisas para que, através desse intenso debate, possamos viver com mais qualidade e adiar o mais possível a morte. A passagem do tempo é implacável e severa, com ela vêm as falhas e as imperfeições do corpo e as maleitas e as perdas da mente, à medida que a vida nos vai consumindo, assim que vamos sendo apanhados pela teia das doenças e das fragilidades, nós vamos respondendo com as armas que temos. É uma questão de sobrevivência potenciada pela nossa racionalidade, pela nossa inteligência e, profunda contradição, pelo devaneio. Fazemos o que for preciso para combatermos as patologias, atenuarmos o sofrimento, atrasarmos o desfecho, retardarmos a morte. O desejo dirige esta demanda, é ele o promotor desta teimosia. Tentar enganar a natureza das coisas é um comportamento muito próprio do ser humano, a sua capacidade de imaginação e de abstração permitem-lhe tentar delongar o inevitável epílogo. A forma mais comum é fazê-lo através da ciência. Cada tratamento é o desejo da cura, cada comprimido é o desejo de acabar com a dor, cada vacina é o desejo de não adoecer, custe o que custar, se aqui não houver resposta para o nosso desejo vamos a outro lado. Os outros animais aceitam a existência melhor do que nós e por isso não sofrem tanto de ansiedade.

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