Diário do Alentejo

Distopia de um país asilo
Opinião

Distopia de um país asilo

Pedro Ramires, gestor

24 de janeiro 2022 - 16:20

O multimilionário da Tesla, Elon Musk, fez recentemente, num evento do “Wall Street Journal”, uma profecia distópica: “se as pessoas não tiverem mais filhos a civilização vai desmoronar”. O dramatismo da declaração revela muito mais do que uma preocupação, deixa claro, como já foi possível constatar ao longo da História, que a redução da natalidade é um sintoma de decadência civilizacional. O resultado da desintegração do Império Romano do Ocidente no séculos IV e V foi a redução substancial da população europeia. E é isto que nos recorda o, agora, homem mais rico do mundo. Depois das utopias dos amanhãs que cantam terem-se esboroado na espuma do tempo, eis que emergem as distopias a fazer-nos lembrar os pés de barro em que assenta o sistema demoliberal que conhecemos.

 

Por cá, num estudo de 2020 publicado na revista científica “The Lancet” os autores estimaram que em 2100 seremos apenas metade daqueles que somos hoje – cinco milhões! Se isto poderá ser uma boa notícia para a descarbonização do planeta, a verdade é que territórios como o Alentejo, que já hoje são de baixa densidade populacional crescente, não terão vivalma, por essa altura! Os números vão revelando a tendência: o índice de envelhecimento, valores de hoje, cifra-se nos 159 idosos (mais de 65 anos) para 100 jovens, em 2080 este número duplica, de acordo com previsões do Instituto Nacional de Estatística, sendo a proporção de 300 para 100. Neste cenário de um trabalhador para três reformados não há sistema de segurança social ou de pensões que resista!

 

Que segurança terão os nossos filhos e netos na velhice? É raro encontrar no discurso político uma preocupação séria com o tema, mas no final do seu mandato Cavaco Silva lançou o repto sob a forma de pergunta retórica: “O que é que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal?”. Ninguém levou a sério ou quase ninguém.

 

Os partidos políticos com assento parlamentar, da esquerda à direita, dirão que apresentam propostas sobre a matéria, mas não passam disso mesmo, propostas, ora por que são irrealistas no que à despesa do Estado diz respeito, ora por que oneram em custos elevados os empregadores. Tudo isto sem obterem o consenso alargado junto dos parceiros sociais e da sociedade civil.

 

Os especialistas clamam por políticas públicas de médio e longo prazo para inverter este quadro de baixa natalidade e de fecundidade (1,43 filhos por casal, para a substituição de gerações teria de ser 2,1). Sem compromissos que se estendam para além dos ciclos eleitorais é quase impossível o seu sucesso.

 

Rui Rio, no congresso último do PSD, elegeu o pré-escolar como prioridade da sua ação governativa, caso vença as eleições, sem, contudo, enquadrar esta preocupação no âmbito de uma verdadeira política pública de incentivo à natalidade. Esperamos que não tenha sido exaltação do momento!

 

Alguns concelhos do interior substituem-se ao Estado central, felizmente acrescentamos nós, e concedem pequenos pecúlios para cada nado-vivo no respetivo concelho (Alcoutim, por exemplo, oferece 5.000 euros por cada nascimento). Todavia estas medidas têm apenas um efeito mitigador na contínua reduzida taxa de natalidade e poucos frutos têm colhido (leiam-se bebés). A seriedade do assunto exigiria uma ação concertada dos municípios com vista ao desenvolvimento de políticas públicas de âmbito regional que, por um lado, incentivassem à natalidade e, por outro lado, promovessem a atração e retenção de pessoas nos seus territórios.

 

Os debates públicos na procura das causas para tão reduzida natalidade esbarram, quase sempre, em explicações conformistas, tais como: a emancipação feminina (acesso ao mercado de trabalho adia a maternidade) e os estilos de vida urbanos e hedonistas que relegam para segundo plano os projetos de parentalidade. Como se a longevidade não fosse uma realidade dos nossos dias e a maternidade aos 40 anos fosse um problema clínico insolúvel. Uma mãe de 40 anos conhecerá, certamente, os netos! Haja condições materiais para a maternidade e paternidade.

 

Ocorreram mudanças substantivas em matérias da parentalidade, sem dúvida que sim, o prolongamento do tempo das licenças é um bom exemplo e foi obra do malogrado Governo de José Sócrates. A sua eficácia tarda, no entanto, em produzir efeitos. Estas medidas deveriam ter integrado um pacote mais vasto de uma verdadeira política pública para que o seu impacte fosse visível. Os países europeus que registam melhor performance na taxa de natalidade, (França, Irlanda e Suécia), alavancaram as suas políticas através de um estado de bem-estar social robusto, que no caso da Irlanda se consubstancia num subsídio mensal de 350 euros por cada filho.

 

O definhamento do País não é apenas um problema político, mas, também, social e económico. Exige-se a convocatória de todos. As empresas podem e deverão fazer mais: incluindo na sua política de recursos humanos práticas que possibilitem uma maior flexibilidade nos horários de trabalho e, por que não mesmo, uma redução da carga horária semanal (sem perdas remuneratórias) para os pais com filhos até aos três anos de idade, por exemplo. A solução não está no Estado, mas deve partir do estado.

 

É possível desenvolver um regime bonificado para os jovens pais no acesso à habitação, seja na aquisição ou no arrendamento, porque este é um custo que pesa sobremaneira no orçamento familiar no momento de ponderar o nascimento de mais um filho. É importante que este debate se faça e que a campanha eleitoral que se avizinha não seja mais uma oportunidade perdida.

 

Isto, ou reserva-nos legar às gerações vindouras um país “asilo dourado” onde os reformados europeus vêm passar os últimos anos da sua vida, usufruindo sol e da imensa planície de campos de golfe.

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