Diário do Alentejo

Não quero nem a herança nem as dívidas
Opinião

Não quero nem a herança nem as dívidas

Tânia Ãngelo, solicitadora

20 de janeiro 2022 - 11:15

 Com o falecimento de um ente querido, e considerando a realidade existente em cada seio familiar, são algumas as questões que se levantam com a abertura da sucessão, podendo, desde logo, verificar-se a evidência de prévias discórdias entre o falecido e os filhos, ou entre estes, ou até a existência de dívidas na herança, motivando, em ambos os casos, uma pretensão de não-aceitação da mesma.

Ora, após a morte, dá-se o momento da abertura da sucessão. Neste sentido, são chamados os sucessíveis para que aceitem, ou não, a herança. Quer isto dizer que, sendo vários os herdeiros, é possível a aceitação por alguns e o repúdio por parte de apenas um (o que deverá fazer no seu todo e não somente no que concerne a uma parte da herança).

Através do repúdio da herança por parte de um dos chamados, este apenas abdica de a receber. Por isso, nunca se poderá afirmar que se verificou uma perda de património para o chamado, uma vez que, para este, não se concretizou uma transmissão de bens.

Para formalizar o repúdio da herança, a forma exigida é a celebração de escritura pública ou documento particular autenticado (isto nos casos em que, da herança, façam parte bens cuja alienação obrigue forma solene – como quando dela constam vários prédios). Por conseguinte, tratando-se de uma herança da qual faça parte, por exemplo, uma quota de uma sociedade, deverá o repúdio reverter a forma de um simples documento particular.

Considerando que o solicitador é um profissional com competência para titular um repúdio da herança, para a outorga devem ser tidos em consideração alguns elementos: desde logo, saber se o chamado é casado. Este aspeto é importante pois, caso não vigore no casamento o regime da separação de bens, o repúdio apenas poderá ser feito por ambos os cônjuges, diversamente do que sucede com a aceitação da herança, uma vez que não é exigido, para o efeito, o consentimento do outro cônjuge.

Importa também referir que, sendo efetivado os repúdios da herança, os efeitos retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão. Quer isto dizer que o chamado deixa de o ser e é desencadeado o direito de representação a favor dos descendentes do repudiante. Neste sentido, estando perante a herança aberta por óbito, por exemplo, de uma avó, sendo chamados os filhos e repudiando um destes, serão chamados os filhos do repudiante. Outro dos elementos que há que considerar é o chamamento destes netos que, sendo maiores de idade, também lhes assiste o direito de aceitarem, ou não, a herança. Situação diferente ocorre nos casos em que, estando os pais em representação dos filhos, só lhes é permitido procederem ao repúdio da herança desde que estejam, previamente, dotados de autorização do tribunal.

O repúdio, tal como a aceitação da herança, é irrevogável, podendo apenas ser anulável por dolo ou coação, mas nunca utilizando o simples erro como fundamento.

 

* Artigo publicado no âmbito de uma parceria entre o “Diário do Alentejo” e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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