Mataram o sítio onde eu nasci. Já não existe. No outro dia quis dizer aos meus sobrinhos, o tio nasceu aqui, mas não consegui, a rua é a mesma, o número da porta é o mesmo, mas a casa nova que fizeram no sítio onde eu nasci impediu-me de lhes mostrar o chão onde eu chorei pela primeira vez, nesse primeiríssimo momento de oxigénio e de absoluta inconsciência, nesse instante de onde eu parti para tudo o que eu haveria de ser e de não ser, impediu-me de lhes mostrar as paredes que seguraram os gritos da minha mãe, eram de taipa as paredes que seguraram os gritos da minha mãe a ampliaram o meu choro. Havia uma janela que dava para o quintal e o quintal tinha um poço e uma figueira que dava figos de São João. Quando os figos amadureceram eu já tinha quatro meses, é fácil de saber que nasci no inverno, parece que chovia nessa noite, eu não dei por nada, as paredes da minha absoluta inocência eram grossas de mais. Havia um cão que esperou na cozinha, o cão sabia que eu iria nascer e que iriamos amar-nos um ao outro pela vida fora. No dia em que o cão morreu, as paredes não conseguiram segurar os meus gritos de dor.
Se o tio tivesse muito dinheiro, o tio comprava esta casa e derrubava-a toda. E quando só houvesse terra antiga, terra da minha infância, abríamos uma porta na memória e íamos os três à procura do meu pai, da minha mãe e do cão. E depois reerguíamos a casa tal qual ela era.