Diário do Alentejo

EN 18
Opinião

EN 18

José Filipe Murteira, professor

03 de novembro 2021 - 08:30

No passado mês de julho teve lugar, na Guarda, o lançamento da rota Da Serra à Planície, visando a divulgação e a promoção da Estrada Nacional 18, que começa nessa cidade beirã e termina em Ervidel, onde se encontra com a tão falada EN2. Entre as duas encontram-se algumas semelhanças e diferenças. A sua extensão (as duas maiores do País), embora a EN2 tenha quase o dobro da EN18 (740 e 388 quilómetros, respetivamente); a sua localização no interior, ligando cidades, vilas e aldeias, algumas destas perdidas e esquecidas nas serras e planícies; a sua integração em novas vias (IP3 ou IP2), requalificando e alterando significativamente vários troços; o seu potencial turístico-cultural, como refere o Clube Escape Livre, o mentor dessa rota: “São 388 quilómetros de aventura, cultura, história e sabores tradicionais que ligam 14 municípios, cinco aldeias históricas e duas regiões vitivinícolas”.

 

Como atrás referimos, muitos quilómetros da EN2 estão integrados em IP, o que faz com, por exemplo, entre Évora e Ervidel, apenas dois pequenos troços, incluindo o de Beja a Ervidel, correspondam realmente à antiga estrada. Só que, este último (tal como outras estradas, nacionais ou municipais) sofreu, nos últimos anos, profundas alterações nas paisagens circundantes, face às transformações verificadas na agricultura da região, após a construção da Barragem do Alqueva.

 

Sem entrarmos em outros temas, alguns polémicos e cujas consequências não é possível ainda aferir, fiquemo-nos apenas pelas alterações atrás referidas. Para tal, nada melhor que uma viagem nos últimos 21 quilómetros da EN18, entre Beja e Ervidel.

 

Se, entre Beja e o Penedo Gordo, a paisagem é diversificada, vislumbrando-se dois dos novos olivais e milheirais, mas também culturas tradicionais e alguns montes espalhados pelo território, passado o Monte da Almocreva (que desolação!) inicia-se a nova paisagem, onde predomina o amendoal, uma parte já em plena exploração, outra mais recente e outra ainda por plantar. Daqui a alguns meses, será essa a única visão, a partir da estrada, ladeada por amendoeiras ao longo de vários quilómetros, em que toda a paisagem circundante desaparece da vista, nomeadamente o Monte da Chaminé do Passarinho e a Estação de Santa Vitória e mesmo alguns pequenos montados (sobreviventes da Campanha do Trigo do Estado Novo) foram “invadidos” por essa nova espécie, com os sobreiros quase a desaparecer da vista. E, se um dia regressar a ligação ferroviária Beja-Funcheira, torna-se quase impossível vislumbrar, a partir da estrada, qualquer composição como, por exemplo, a conhecida automotora verde e branca, que atravessava as searas de trigo ou os campos de girassol.

 

O amendoal à direita é depois “acompanhado” à esquerda pela mancha de olival do Monte do Outeiro, olival que vamos encontrar de novo perto de Santa Vitória. Neste caso é a igreja da aldeia que irá desaparecer da vista, a partir da estrada e, não fosse a intervenção da Junta de Freguesia que levou a que fosse demarcada uma faixa de proteção, esse olival estender-se-ia até aos muros da Casa do Povo ou do campo de futebol.

 

Entre Santa Vitória e Ervidel encontramos uma novidade nesta nova paisagem alentejana: os pomares, de um lado e do outro da estrada. Finalmente, os últimos quilómetros da EN18 voltam a ser ocupados por uma mancha contínua de olival, que se estende até à EN2 que, vinda do norte irá até Faro, num encontro muito pouco feliz, do ponto de vista visual.

 

Pela descrição atrás feita, não será difícil adivinhar que o tradicional bucolismo dos campos alentejanos, onde as suas cores se alternavam ao longo do ano (o castanho, o vermelho e o amarelo), está a dar lugar a uma monótona e monocromática paisagem, que “apaga” da vista quase tudo à sua volta, tal como os eucaliptos “secam” tudo os rodeia. Um cartão-de-visita muito pouco apetecível, para quem parte da Guarda, à procura dos “recantos que tornam Portugal tão apetecível”, como se escreve na apresentação da rota.

 

E, já que atrás nos referimos à estação ferroviária de Santa Vitória, entaipada há alguns anos, recordemos o anúncio feito em setembro, pela secretária de Estado do Turismo, da intenção do Governo em vender, ao abrigo do programa Revive, algumas das estações abandonadas, como essa ou o apeadeiro do Penedo Gordo. Neste momento já decorre o concurso para a venda de seis dessas estações, incluindo a de Represas (ou melhor, das suas paredes, o que dela resta).

 

Numa primeira abordagem ao assunto, até encontrámos alguns aspetos positivos, não só pelo aproveitamento de edifícios lindos, como é o da estação de Santa Vitória, mas também pela possibilidade de o caderno de encargos do concurso contemplar o apoio dessa nova estrutura turística a uma eventual retoma da ligação entre Beja e a Funcheira, não deixando completamente de lado essa função (a exemplo do que acontece, por exemplo, de certos postos dos CTT que funcionam em mercearias).

 

Só que, numa abordagem mais detalhada, o que encontramos? Uma estação completamente “cercada” pelos novos amendoais, paisagem pouco apetecível para quem queira passar uns dias no chamado “Alentejo profundo”. Paisagem que estende ao longo das ribeiras e dos barrancos, que tomou conta dos montados, que aterrou lagoas e charcas e que irá acompanhar alguém que queira ir, a pé ou de bicicleta, da estação até Pisões ou à Albufeira dos Cinco Reis. Ou seja, algo que levará a potenciais interessados a pensar duas vezes antes de tomar a decisão de adquirir o edifício em causa, face às alterações verificadas nos últimos anos nos afamados “barros de Beja”, em nome de um progresso necessário, mas de difícil conciliação com o meio ambiente e a biodiversidade, tão ricos, diversificados e belos.

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