Diário do Alentejo

Orçamento
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Luís Godinho, jornalista

03 de novembro 2021 - 07:00

Há dois momentos que ajudam a explicar os motivos da crise política em torno do Orçamento do Estado, não apenas deste, a qual dificilmente se resolverá com a antecipação das eleições. O primeiro remonta a outubro de 2019 quando o PS, poucos dias depois de ter vencido as eleições legislativas, recusou um acordo com o Bloco de Esquerda para a legislatura, um acordo escrito, optando por negociar orçamento a orçamento, medida a medida. O PCP rejeitou esse acordo escrito. E o PS decidiu que, sendo assim, iria tratar por igual os dois "parceiros" de esquerda. "As coisas não serão como dantes", advertiu António Costa na Comissão Política do partido, querendo com isso sinalizar o maior risco de instabilidade política e o "regresso" da rua, pondo em causa a "paz social".

 

Os motivos que o levaram a não assinar um acordo de legislatura com o Bloco permanecem inexplicáveis, exceto o facto de António Costa sempre ter considerado o PCP mais confiável. O segundo momento remonta a agosto de 2020 quando, numa entrevista ao "Expresso", o primeiro-ministro foi taxativo: "No dia em que a subsistência deste Governo depender de um acordo com o PSD, nesse dia este Governo acabou”. Por essa altura já se adivinhava o voto contra do Bloco de Esquerda ao Orçamento do Estado para 2021, o que se veio a verificar, deixando o Governo isolado, dependente da abstenção do PCP na votação parlamentar.

 

Estas duas decisões demarcam o território em que se joga a governabilidade do País: nem acordos de legislatura à esquerda; nem pontes à direita [recorde-se, a propósito, que enquanto presidente do PSD, entre março de 1996 e maio de 1999, Marcelo Rebelo de Sousa viabilizou os três orçamentos apresentados pelo governo socialista de António Guterres].

 

Tratando-se de uma opção do Governo, não de uma inevitabilidade, há duas circunstâncias que a ajudam a enquadrar. A primeira prende-se com as enormes diferenças na visão que PS, PCP e Bloco têm da sociedade e do mundo. Não é por acaso que só 41 anos depois do 25 de Abril é que "ruiu" o muro que impedia acordos à esquerda, tendo isso sucedido apenas pela motivação comum de pôr fim ao Governo de Pedro Passos Coelho. A segunda será, porventura, ainda mais complexa e prende-se com um fenómeno acerca do qual já aqui escrevi por diversas vezes: o radicalismo que tomou de assalto o discurso político.

 

O permanente extremar de posições. O fim da moderação, ainda que, como bem lembrou o Presidente da República, a "verdadeira democracia" esteja "na moderação, nos moderados" e não, "por definição, na radicalização". Marcelo Rebelo de Sousa apelou à existência de "menos emoção, mais razão" e à necessidade de "mais convergências", com "mais visão de médio/longo prazo e menos de curto prazo". Partilho esta posição. Não nos será possível, nem enquanto país, nem enquanto região, ultrapassar os constrangimentos e dificuldades que enfrentamos, nem aproveitar de forma eficaz o novo ciclo de fundos comunitários, sem um acordo tão amplo quanto possível relativamente à natureza dos problemas e à forma de os resolver.

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