Diário do Alentejo

Piruças
Opinião

Piruças

Vítor Encarnação, professor

17 de outubro 2021 - 07:00

Quando eu era pequeno, com exceção do meu cão Piruças que um dia me disse que me adorava, já havia muito tempo que os animais tinham deixado de saber falar. Como tal nunca consegui trocar umas ideias prévias com as rãs, os pássaros e os ouriços que eu comi em petiscos ditados pela minha cultura campesina.

 

Entretanto, muita coisa mudou na minha vida. Viajei, li livros, conheci outros hábitos e outros costumes, vi outras atitudes e outros princípios. Mudei, acho que o suficiente, para contribuir para um novo tempo na relação entre os homens e os animais. Estou mais consciente dos direitos destes últimos, mas impus a mim mesmo que não havia de cair no exagero, muito menos no radicalismo.

 

Há uma corrente absurda na sociedade portuguesa que eu contesto. Quem afirma que um ditado popular utilizando a figura do animal é depreciativa para a espécie está a passar um atestado de menoridade. Quem tenta, com uma absoluta autoridade moral, apagar desta vida canções e fábulas centenárias como sendo a causa da violência contra os animais está a tentar fazer de nós tolinhos. Esta tentativa de desinfetar culturas e tradições é surreal e abusiva.

 

Uma coisa é dar aos animais um espaço digno e equilibrado na nossa sociedade, outra é dar-lhes uma capacidade de discutir filosofia. É pena o meu Piruças já ter morrido, ele era o único animal que eu conheci capaz de trocar comigo umas ideias sobre o assunto.

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