Diário do Alentejo

Causas e forma de reverter o declínio populacional
Opinião

Causas e forma de reverter o declínio populacional

Jorge Feio, arqueólogo

01 de setembro 2021 - 21:00

De 10 em 10 anos temos a realização do Censos, através do qual ficamos a saber quantos somos, o que fazemos, por onde andamos, como anda a economia e a sociedade do País… em suma, desde a época romana o Estado tem por hábito promover no nosso território a contabilidade da população, entre outras coisas, para poder calcular quanto pode vir a carregar nos impostos.

 

Por sorte, ou mero azar, este ano o resultado do Censos foi conhecido pouco antes do início das campanhas eleitorais, o que tem dado azo a uma multiplicação de comentários, por exemplo no Facebook. Em muitos casos, os números são alterados para reforçar a maledicência. Por exemplo, alguém escreveu que Mértola tinha pouco mais de quatro mil habitantes, reforçando que eram dados do INE. Quando o informei que o número não era aquele, bloqueou-me, como é óbvio, porque a verdade não interessa. O que interessa é a “politiqueirice” e a utilização fraudulenta dos números… Para alguns, claro.

 

No cômputo geral, Portugal perdeu 1,9 por cento da população. Percebe-se! É fruto de um conjunto de políticas que convidaram as pessoas a emigrar (eu próprio senti-me muito tentado a isso), de uma dura crise financeira que se prolonga desde 2008 e que se viu muito aprofundada com a crise pandémica instalada há quase dois anos. Tudo isto resulta também num envelhecimento da população, como é óbvio.

 

O distrito de Beja, à semelhança do que se passou com todo o interior do País, perdeu uma percentagem elevada de população. Se olharmos para os números, o distrito perdeu “apenas” 8343 habitantes, correspondendo a menos 6,5 por cento. Não é extraordinariamente grave, poderá pensar o nosso leitor. Mas é! Basta pensar que o maior distrito do País tem menos de metade da população do concelho de Sintra e pouco mais do que o concelho de Setúbal, por exemplo. O concelho de Barrancos corre o sério risco de desaparecer se no próximo Censos tiver uma perda idêntica àquela que teve este ano, a qual se cifrou em menos 21,8 por cento. Ou seja, em apenas 10 anos Barrancos perdeu quase um quarto da sua população.

 

De longe, o concelho que teve melhor desempenho, escrevamos assim, foi Odemira, que cresceu 13,3 por cento. Há relativamente pouco tempo, alguns amigos disseram-me que era uma situação passageira e que tem a ver com a grande quantidade de estrangeiros que trabalha nas estufas. Realmente, é o concelho com maior concentração de imigrantes no distrito de Beja mas, se consultarmos todos os Censos desde 1981, sobretudo desde 1991, verificamos que mantém alguma constância entre os 26 e os 29 mil habitantes. Portanto, não se trata de um caso excecional.

 

Os outros concelhos que tiveram uma prestação menos má foram Aljustrel (- 4,1 por cento); Castro Verde (- 6,5); Beja (- 6,8) e Ferreira do Alentejo (- 7,0). Os dois primeiros devem esses números à atividade mineira que ocupa importantes franjas da população, o que permitiu minorar os estragos. O concelho de Beja deve a sua “reduzida” perda populacional a dois fatores: sendo capital distrital, a cidade ainda exerce alguma atratividade pelos serviços que presta aos seus habitantes; a intensificação dos trabalhos agrícolas, sobretudo os olivais e os amendoais em larga escala. Este segundo aspeto influencia também uma perda menos significativa no concelho de Ferreira do Alentejo, onde aldeias como Alfundão receberam nos últimos anos bastantes imigrantes da Europa de Leste, sobretudo romenos. E, por muito criticável que seja, não fosse esta nova fase da agricultura no distrito e as perdas populacionais em concelhos como Moura e Serpa seriam muito mais elevadas.

 

Em concelhos como Alvito e Cuba, mais vocacionados para serviços, as perdas populacionais foram medianas, tendo em consideração os dados disponíveis para o distrito de Beja. Aliás, em números brutos, Alvito foi o concelho que perdeu menos população. Nos restantes concelhos, a situação foi muito má, com perdas acima dos 12,5 por cento. O concelho de Mértola teve uma perda de 14,7 por cento, a segunda maior do distrito. Contudo, Mértola não tem empreendimentos agrícolas de grande vulto e a mineração está parada desde os anos 60. Tem sido o turismo a ajudar este município a travar as perdas populacionais.

 

“Olhando com olhos de ver”, como usa dizer-se no nosso Alentejo, o distrito de Beja sofre pela sua interioridade. Normalmente, o Estado português investe muito pouco no interior do País e prefere “jogar todas as fichas” no litoral. São raros os projetos de interesse nacional aprovados para as regiões do interior e, quando existem, levam uma eternidade a ser implementados. É disso exemplo o projeto do Alqueva, bastando ver tudo o que gerou a partir do momento em que começou a ser implementado. Eu não consigo perceber, por exemplo, por que motivo empresas como a Google, a Yahoo e a Youtube ficaram sedeadas em Oeiras. Por que motivo o Estado português não criou uma espécie de Silicon Valley aqui no Alentejo para as instalar? Eram mais de 500 engenheiros e respetivas equipas que vinham para o interior, com todas as consequências que isso poderia ter.

 

Por fim, ouve-se pelos cantos das salas de poder que se planeia uma extinção de concelhos. Pessoalmente sou contra, pois a criação de grandes concelhos (alguns dos que se encontram previstos com extensões superiores a 80 quilómetros) irá contribuir para uma maior perda de população. Imaginemos um concelho como Alvito que tem na Câmara Municipal o seu maior empregador. Se o município fosse extinto, a maior parte dos funcionários ficaria sem trabalho. O comércio perto dos edifícios camarários deixaria de ter motivos para existir e a própria Caixa Geral de Depósitos fecharia portas. A Associação dos Bombeiros Voluntários de Alvito passaria a ter menos apoios, pois seria integrada noutro concelho com mais corpos de bombeiros; logo teria de despedir pessoal.

 

Como é óbvio, quem perde o seu trabalho poderá ter de migrar, sobretudo as camadas mais jovens. Vai na volta, o concelho poderia perder metade da sua população num ápice, o mesmo acontecendo com Cuba. No caso de Mértola, no último projeto que quase “veio a lume”, poderá ver o seu território dividido, passando toda a Margem Esquerda para um “super concelho” com sede em Moura ou Serpa e toda a margem direita para outro, com capital em Castro Verde. Seria a extinção em massa (do ponto de vista populacional) de quase todas as suas freguesias.

 

É isto que queremos? Da minha parte não. Eu preferiria uma reorganização dos concelhos, sem extinções. Por exemplo, porque não passar as freguesias do Torrão e Vila Ruiva para o concelho de Alvito; as freguesias de Trigaches e São Matias para Cuba e a freguesia de Vila Alva para a Vidigueira? Os concelhos de Alvito, Cuba e Vidigueira passariam a ter dimensões territoriais e populacionais reforçadas, com verbas mais substanciais para investir no seu desenvolvimento. Associando isto a uma ferrovia melhorada, a melhores acessos, a parques industriais de baixo custo para as empresas, a um maior investimento na atividade agrícola, a um maior e melhor desenvolvimento turístico e a uma “vontade de fazer” em vez de uma “vontade que façam para nós”, talvez se conseguisse reverter a situação em que nos encontramos, trabalhando todos juntos em vez de continuarmos a “fazer cada um por si”.

 

Acrescento ainda, e com esta vos deixo a pensar mais um pouco: como diria um grande amigo meu, “se eu fosse presidente de câmara de qualquer um dos municípios que perderam população, já tinha enviado todos os meus autocarros, carrinhas e carros para a Grécia para trazer algumas centenas de refugiados que quisessem vir para cá. Teria a responsabilidade de os receber e de lhes proporcionar todas as condições para se instalarem”. Seria uma forma de repovoar o Alentejo, já que a malta portuguesa não quer vir para cá. E não me venham com aquelas ‘tretas’ culturais, religiosas e outras que tais. Há uns quantos milhares de anos que estamos habituados a receber pessoas oriundas de toda a orla mediterrânica no sul do País e isso está perfeitamente demonstrado na nossa genética. Portanto, em vez dos nossos “primos” andarem a morrer no mar ou a sofrer em terra, mais vale virem para cá, integrarem-se na nossa sociedade e viverem por aqui. Felizes, de preferência.

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