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Luís Godinho, jornalista

01 de setembro 2021 - 20:00

A cidade de Pontevedra tem pouco mais de 83 mil habitantes. Isto é, se estivesse situada no sul de Portugal seria a maior cidade abaixo de Setúbal, com três vezes mais população do que Beja. Fica na Galiza. A pouco mais de 50 quilómetros de Valença do Minho. E tem um presidente de câmara, ‘alcalde’ como por lá lhe chamam, Miguel Anxo Lores, reeleito sucessivamente desde 1999. Pois bem, no primeiro mês de mandato o homem não esteve com meias medidas e resolveu fechar o centro da cidade ao trânsito automóvel.

 

De então para cá, ano após ano, são tomadas mais e mais medidas no sentido de devolver as ruas da cidade aos peões. E dar-lhes vida. Há mais de 10 anos que não há registo de qualquer vítima mortal em resultado de um acidente rodoviário. Mas nem é isso o mais importante. O ponto está na conceção de uma cidade pensada em função de quem a habita, de quem a vive, e não para os automóveis. Os lugares de estacionamento foram quase todos banidos, com uma justificação simples: boa parte do tráfego automóvel era formada por carros que andavam às voltas, e voltas, na tentativa de encontrar estacionamento.

 

Numa das principais praças da cidade, a de Espanha, foi construído um parque subterrâneo (à semelhança do que sucedeu em muitas outras ruas), tendo um piso ficado reservado para os moradores, que por esse lugar pagaram 16 mil euros por 70 anos, o período de tempo correspondente à concessão do parque. Através de sinalização, deixou de ser possível cruzar a cidade. É como se, em Beja, quem chegasse pela rotunda da Força Aérea tivesse de sair pelo mesmo local, exceto se se deslocasse para Serpa, para Ferreira do Alentejo ou para Castro Verde pela variante, sem entrar na cidade. Ao centro só vai quem tem mesmo de ir: cargas e descargas (das 10:00 às 12:00 horas), entrega de encomendas, acesso dos moradores aos parques de estacionamento.

 

“É um tráfego de destino, o tráfego necessário para que a cidade funcione”, diz Miguel Anxo Lores numa entrevista ao “Público”. Numa das ruas passavam 28 mil viaturas por dia. Quando ficou sem trânsito, ouviram-se algumas críticas. Um jornalista foi inquirir a opinião a um comerciante, e a resposta surgiu pronta: “Nunca me entrou um carro na livraria a fazer compras”. No “The Guardian”, Stephen Burgen escreveu que o ruído “normal” de uma cidade deu ali lugar ao “chilrear dos pássaros e à tagarelice dos humanos”. Raro é o dia em que não há atividades culturais nas ruas, agora livres de automóveis.

 

Em 1999, o centro da cidade de Pontevedra era habitado por 50 mil pessoas. Hoje são mais de 65 mil, um crescimento de 30 por cento em duas décadas. Não há licenças para a construção de grandes superfícies fora da cidade, mas a economia de proximidade é incentivada, tal como o comércio local – “Há franchises de marcas comerciais conhecidas, mas na rua”. Não há autocarros a circular vazios. Os serviços de táxi vão passar a ser cofinanciados pela autarquia. Pensar a cidade. Pensá-la numa perspetiva de futuro, de redução de emissões poluentes, de economia circular, de conforto e bem-estar para as pessoas. Uma cidade com menos carros e com muito mais vida. Eis um desafio em véspera de autárquicas.

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