Já Eça de Queirós escrevia (em “A Cidade e as Serras”) que, nada de novo havendo sob o sol, “a eterna repetição das coisas é a eterna repetição dos males”. E na verdade, por esta altura, todos os anos, lá surge a “eterna repetição” da falta de médicos no interior do País, e em particular no Alentejo: das 26 vagas abertas no concurso nacional para a contratação de médicos de família recém-especialistas apenas foi preenchida cerca de metade.
De acordo com números da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), o défice na fixação de médicos de família no Serviço Nacional de Saúde (SNS), em particular no interior mas também nos centros de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, terá deixado “cerca de 200 mil utentes” sem médico de família. Dados oficiais do SNS, relativos ao passado mês de julho, indicam que na área da Administração Regional de Saúde do Alentejo estavam inscritos 42.105 utentes sem médico de família, dos quais 8.308 no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Baixo Alentejo e 10.221 no do Alentejo Litoral.
Acrescem mais dois problemas: o primeiro é que as listas de utentes dos médicos de família se encontram sobredimensionadas, isto é, têm de acompanhar mais doentes do que deveriam; o segundo é que o volume de trabalho cresceu de forma substancial, não apenas pela necessidade de atendimento e rastreio de casos suspeitos de infeção por covid-19, como também pelo apoio nos centros de vacinação e pela (tentativa de) recuperação da atividade não realizada em virtude da pandemia.
“Os mesmos médicos de família, assim como os restantes profissionais de saúde, não podem estar em dois lugares ao mesmo tempo, o que implica que muitos centros de saúde tenham quebras muito relevantes no seu funcionamento, e impossibilita a necessária retoma da assistência, sendo infelizmente expectável consequências graves para a saúde das pessoas a curto, médio e longo prazo”, refere uma carta aberta dirigida ao Governo, subscrita por mais de 500 profissionais de saúde, e que o “DA” publicou.
Por aqui se percebe a afirmação da FNAM de responsabilizar o Governo por “não apoiar devidamente o SNS” e por não “investir diretamente em condições de trabalho adequadas” para os médicos no setor público da saúde, alertando para o risco de se continuar a perder profissionais com elevados níveis de qualificação. Nada de novo havendo sob o sol, o Ministério da Saúde pouco ou nada diz e nada que garanta a resolução do problema: “Vamos estar muito atentos a esta questão” (como se fosse nova); são necessários “alguns estímulos, não só remuneratórios, mas também em termos de projeto e carreira” (como se o problema fosse de hoje).
Numa região, como o Baixo Alentejo, onde o acesso a cuidados médicos não é fácil (de Barrancos a Beja é quase uma hora e meia de viagem), as medidas para a fixação de médicos de família não podem ser idênticas às dos concelhos mais povoados do litoral. Sob pena de, para o ano, mais uma vez, voltarmos à “eterna repetição” dos concursos por preencher.