Diário do Alentejo

Melancia
Opinião

Melancia

Vítor Encarnação, professor

19 de agosto 2021 - 17:00

Depois da praia íamos para o pinhal, o corpo cheio de areia, os olhos cheios de mar, os vidros do carro abertos, os bancos de napa do Fiat 127 incendiando as pernas e as costas, a cassete a passar o Art Sullivan, Hello (hello), hello, petite demoiselle, Hello (hello), hello, si timide et rebelle, Il faudra bien qu'un jour, je te parle d'amour, o Tony de Matos finalmente calado, eu e mais três primos no banco de trás, era assim que se viajava, o mais pequeno sempre preparado para se deitar entre os bancos se se avistasse a guarda, o meu pai a fumar Ritz enquanto achava a melhor sombra, a minha mãe estendia a toalha, abria as geleiras, cortava o pão, fazia tudo, eram assim as mulheres, o meu pai continuava a fumar, eram assim os homens, muito gostávamos nós de pernas de frango frito, uma mão a pegar no osso, a outra a segurar um copo de gasosa Cirel, o Tony de Matos a gastar a bateria do carro, Anda, abraça-me, beija-me, encosta o teu peito ao meu, esquece o que vai na rua, vem ser minha e eu serei teu, o meu pai a vingar-se do Art Sullivan, isto é que é música, o que é verdade é que até as cigarras se calaram, nunca mais me esqueci disso, para além de achar as melhores sombras, o meu pai também sabia escolher melancias, fazia gala disso, comprava sempre a maior que encontrasse, no mínimo uma arroba, pegava numa faca e cortava-a às talhadas tão grandes como a nossa felicidade.

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